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Descrição de chapéu Saiu no NP

1978: Polícia fuzila 'Galiléia', jovem com 15 homicídios e 500 assaltos na conta

Personagem foi tema de documentário de João Batista de Andrade, produzido para a TV e censurado pela ditadura

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Luiz Carlos Ferreira
São Paulo

Já passava das 22h da sexta-feira de 11 de agosto de 1978, quando Wilson Paulino da Silva, 18, o Wilsinho Galiléia, personagem notório nas páginas policiais do Notícias Populares, chegava para uma visita à casa da taxista e suposta amante Geny Tiezze Duque, 36, no bairro São João Clímaco (zona sudeste de São Paulo).

Galiléia, que fugira da Febem (hoje Fundação Casa) um mês antes, não imaginava que três policiais, do 17º Distrito Policial (Ipiranga), estavam de tocaia havia cinco dias dentro da casa da taxista. Os investigadores tinham a informação de que cedo ou tarde o jovem iria até o local.

Segundo os relatos da polícia, o interno chegou à residência em um Opala roubado e estava acompanhado de dois colegas: Pedrão, 18, e um menor de 14 anos, que preferiu ficar no carro.

Ao abrir a porta da sala, Galiléia foi executado à queima-roupa com uma rajada de metralhadora 9 mm, disparada de dentro da casa pelos agentes. Pedrão tentou evadir-se, mas foi detido depois de ser atingido nas nádegas e na virilha.

Geny, que foi baleada pelas costas, na região do abdômen, teve que ser levada às pressas para o hospital. Os investigadores disseram que Galiléia portava um revólver calibre 38 e que teria respondido com tiros à voz de prisão.

Remoção do corpo de Wilsinho Galiléia, morto por policiais no bairro de São João Clímaco (zona sudeste de São Paulo) - 10.ago.1978/Folhapress

Na casa estavam ainda dois amigos da motorista, o casal de namorados Mafalda, 17, e Chiquinho, 19, que não sofreu ferimentos.

Em depoimento prestado ao promotor Newton Paulo Ramos de Faria, da Corregedoria dos Presídios e da Polícia Judiciária de São Paulo, Mafalda denunciou os policiais por "assassinato frio", sequestro e manutenção de cárcere privado.

De acordo com a menor, dois dias antes da tragédia, quando ela e Chiquinho chegaram à casa de Geny para visitá-la, os dois foram algemados e impedidos de sair do local.

Mafalda afirmou que, após a morte de Galiléia, os investigadores mudaram a posição do cadáver. Em seguida, um dos policiais efetuou três disparos de fora para o interior da casa, para forjar um tiroteio.

Geny, por sua vez, declarou que não conseguiu ver se Galiléia atirou contra os agentes, mas lembrou que os tiros que a atingiram partiram da polícia.

Uma semana antes do episódio, o Notícias Populares havia traçado um um longo perfil do jovem, contando sobre os cerca de 15 homicídios e mais de 500 assaltos atribuídos a ele pela polícia.

Entre os ilícitos estavam os assassinatos de um taxista —quando Galiléia tinha nove anos—, de um estudante de medicina e de um companheiro da Febem, quando, durante um período de internação na instituição, enfiou uma caneta no ouvido do algoz, por este ter se recusado a ceder-lhe biscoito e cigarro.

A primeira aparição de Wilsinho Galiléia no NP foi registrada em 16 de junho de 1974, quando ele tinha 14 anos. Na ocasião, ele e um comparsa haviam roubado um Fusca nas proximidades da av. Sapopemba (zona leste da capital paulista). A polícia informou que os menores responderam a tiros à perseguição policial. Galiléia foi detido. Já o outro menor conseguiu escapar pelos matagais da região.

Dois anos depois, em 1976, no bairro São João Clímaco, Galiléia se envolveu em outro tiroteio com policiais, mas conseguiu fugir. Dois menores que o acompanhavam foram baleados e levados para o hospital.

Em outro episódio, Galiléia foi reconhecido por um policial depois de ter roubado um carro com outros dois assaltantes. Na ocasião, em que também houve troca de tiros, a polícia percorreu 3 km até prendê-los. 

Cena do documentário "Wilsinho da Galiléia" (1978), de João Batista de Andrade. - Divulgação

No ano em que foi executado, Wilsinho Galiléia foi tema de um documentário produzido por João Batista de Andrade para o "Globo Repórter". Sua veiculação, no entanto, foi proibida pela Divisão de Censura de Diversões Públicas.

O presidente do órgão, Rogério Nunes, declarou que o filme era “inconveniente” para a TV e que as cenas “nefastas” e “desumanas” contidas nele poderiam influenciar a cabeça dos jovens.

Em entrevista ao extinto caderno de cultura Folhetim, publicado na Folha em 10 de dezembro de 1978, João Batista de Andrade contou que o filme "é uma análise do porquê surgem Wilsinhos Galiléias, como surge um cara que, com 18 anos, já era acusado de 500 assaltos e mais de 15 homicídios."

Para Andrade, o documentário foi uma tentativa de promover o debate sobre a exclusão social no Brasil. A obra só foi reconhecida 20 anos depois, em junho de 2002, quando dividiu o prêmio de melhor longa documental brasileiro com o já consagrado "Cabra Marcado pra Morrer", de Eduardo Coutinho (1933-2014), em retrospectiva do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil).

A vida do jovem infrator também serviu de inspiração para a realização da peça "Fim de Carreira, Galiléia", de Carlinhos Lira, lançada no Teatro Escola Diadema, em maio de 1979.

Wilsinho Galiléia vinha de uma família pobre, de Pernambuco, que migrou para a capital paulista devido à vida dura que levava naquele Estado. Ele tinha seis irmãos. Três deles cumpriam penas na Casa de Detenção quando Galiléia foi executado.

Em novembro de 1981, em São Bernardo do Campo (Grande SP), os irmãos mais novos Ramirinho, 17, e Ednéa, 16, que estava grávida de quatro meses, morreram –ao lado de outros três menores– em suposta troca de tiros com policiais da Rota (tropa de elite da PM). 

O Notícias Populares noticiou o caso como sendo uma chacina. O pai de Galiléia, um policial civil, fora assassinado quando ele tinha nove anos.

Ao lado de Fernando Ramos da Silva, o Pixote, que também teve sua história transformada em filme após ser assassinado pela polícia em 1987, Galiléia se tornou símbolo da ineficiência do poder público com a assistência aos jovens carentes.

Considerado de QI alto por psicólogos, em um de seus depoimentos à polícia, quando questionado se sentia medo da morte, Galiléia disse: "Se tivesse medo dela, não tava nessa vida".

Colaborou Leonardo Sousa

 
 

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