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Descrição de chapéu Folha Descobertas

Após encontro com vassoura-de-bruxa, Paulo Teixeira quer entender como plantas se defendem

Pesquisador da USP dedica sua vida a estudar o funcionamento do sistema imune das plantas e formas de modificá-lo

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São Paulo

"Toda doença me fascina", diz Paulo José Pereira Lima Teixeira, 37. É esse fascínio que guia o cientista na busca por melhor compreender como o sistema imune freia a entrada ou o adoecimento por organismos invasores. Mas não qualquer sistema imunológico: o das plantas.

Pode parecer estranho pensar nisso, mas, sim, as plantas, assim como outros seres vivos, têm seu sistema próprio para impedir o adoecimento. É por isso, por exemplo, que a conhecida e trágica vassoura-de-bruxa devasta plantações de cacau e não faz cócegas nas laranjas.

Teixeira, pesquisador do laboratório de genética e imunologia de plantas, na Esalq (Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz"), da USP, é um dos cientistas escolhidos para fazer parte da série Folha Descobertas, iniciativa da Folha em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein.

O pesquisador Paulo Teixeira, 37, observa planta de tabaco selvagem sob luz ultra violeta no Laboratório de Genética e Imunologia de Plantas da Esalq-USP, em Piracicaba - Folhapress

"O que tem na laranja que não deixa ela ficar doente para o fungo da vassoura-de-bruxa?", diz o cientista o Teixeira.

Ou, ainda, o que explica que o cancro cítrico possa causar tanto estrago em laranjas e seja inofensivo para tomates ou outros gêneros alimentícios?

Trata-se do fenômeno conhecido como resistência de não hospedeiro, um dos pontos pesquisados por Teixeira.

Raio-X

  • Nome

    Paulo José Pereira Lima Teixeira

  • Idade

    37

  • Cidade de origem

    Atibaia (SP)

  • Onde mora hoje

    Piracicaba (SP)

  • Linha de pesquisa

    Como funciona o sistema imune das plantas

  • Instituições em que atua

    Esalq - USP

Ou seja, ao invés de olhar as razões que levam uma planta a ser infectada por algum micro-organismo, o cientista faz o caminho contrário: tenta compreender o que leva uma planta a nunca ser infectada, a ser resistente a um determinado patógeno.

Pode se tratar, por exemplo, de algum receptor presente nas plantas não hospedeiras que percebe a entrada do patógeno e leva a uma resposta imune efetiva.

Descobrindo-se esse mecanismo é possível, a partir da transferência de genes, tentar fazê-lo funcionar também na planta hospedeira da doença.

Essa brincadeira genética já é milenar, com as civilizações há um bom tempo usando cruzamentos de plantas para alcançar melhoramentos de produção. Mas Teixeira está falando aqui de um processo mais refinado; a partir de biotecnologia, a seleção, muitas vezes, de um único gene, um receptor que faça com que a planta passe a reconhecer um invasor adequadamente.

Até mesmo o Crispr, técnica de edição genética, pode ser usado nesses processos, especialmente quando os pesquisadores querem desligar genes das plantas para evitar adoecimento. "Tem gene na planta que a faz ser suscetível ao patógeno. Quer dizer, o patógeno precisa daquele gene da planta para ele conseguir infectar", afirma Teixeira.

A vassoura-de-bruxa na vida do cientista

A verdade é que plantas não eram bem a praia de Teixeira. Mas as doenças, só que as humanas, já estavam na cabeça do pesquisador. Chamava a sua atenção a produção de medicamentos ou de produtos industriais baseados em micro-organismos. Até que, durante a graduação em biologia, na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), veio o contato com a vassoura-de-bruxa.

"Eu fiquei fissurado por aquilo. Eu fiquei apaixonado mesmo. E acabou que eu fui fazer iniciação científica nesse tema, estudar planta, doença de planta", diz Teixeira.

O primeiro desafio científico do cientista em relação à doença foi fazer o ciclo de vida inteiro da vassoura-de-bruxa em laboratório. Chegar ao desenvolvimento do belo cogumelo da doença é um tanto complexo, segundo Teixeira.

"Até hoje a gente não entende exatamente o que ele [o cogumelo da doença] precisa", diz o cientista.

Caso você não tenha familiaridade com o assunto, essa doença, originária da região amazônica, dizimou a produção de cacau no Nordeste brasileiro, que nunca mais foi a mesma após o surto inicial, com início em Uruçuca, em 1989. Há indícios de que o aparecimento da vassoura-de-bruxa na região não tenha sido um acidente, mas, sim, uma ação proposital.

De toda forma, apesar de não se saber exatamente como o cogumelo da vassoura se forma, sabe-se que o fungo (Moniliophthora perniciosa) passa a controlar o cacaueiro. "A gente vê que tem alteração no metabolismo da planta. É um fungo que produz um hormônio que faz a planta crescer, e aí eventualmente o tecido infectado morre e o fungo passa a se nutrir da planta já morta para produzir os seus cogumelos", afirma Teixeira.

"Eu acho que eu nunca deixei de estudar esse problema."

As defesas das plantas

Há paralelos entre os sistemas imunes humanos e de plantas. Porém, ao contrário de nós, elas não dispõem de células de defesa especializadas —tais quais nossos macrófagos, linfócitos etc. Nelas, cada célula é capaz de perceber invasores e se defender.

Por exemplo, os flagelos —basicamente um pequeno rabinho usado para locomoção— são relativamente comuns em bactérias. Para sua formação, é necessária uma proteína chamada flagelina. As plantas, então, possuem "sensores" para perceber esses flagelos, por meio de receptores de flagelina.

"Utilizando esses receptores a planta ativa uma resposta bioquímica que é capaz de matar um potencial invasor. Na maioria das vezes, né? Nem sempre mata, e quando não mata a gente tem doenças", explica Teixeira.

Agora, algo em comum entre plantas e seres humanos é o chamado microbioma. Afinal, há uma infinidade de micro-organismos nos habitando e também habitando as plantas, sendo que a maior parte deles não causa doenças.

Paulo Teixeira, 37, na câmara climatizada de crescimento de plantas com mudas de tabaco selvagem no Laboratério de Genética e Imunologia de Plantas da Esalq-USP, em Piracicaba - Folhapress

Nesse momento, o pesquisador e sua equipe usam a soja para tentar entender como um infiltrado malquisto em uma festa é tratado.

"Estava tendo uma festa, chegou um invasor bagunçando. A questão é: os convidados [o microbioma] vão ficar só olhando ou eles reagem de alguma forma? E o anfitrião, que seria a planta, faz o quê? Tenta expulsar o cara que chegou bagunçando ou pede ajuda para os convidados?", compara Teixeira.

Segundo o pesquisador, pesquisas sobre microbioma podem ajudar a reduzir o uso de agrotóxicos. Em vez de usar produtos químicos, seria possível, por exemplo, já deixar associada a sementes às bactérias benéficas que protegessem a planta contra alguma praga específica.

Entre os diferentes projetos dos quais faz parte, Teixeira tem um objetivo: "Se a gente entender essa pequena parte que é o sistema imune da planta, que já é grande o suficiente, e multiplicar isso aqui no Brasil, eu já vou estar bem satisfeito".


Folha Descobertas

A série apresenta, quinzenalmente, os perfis de dez jovens pesquisadores brasileiros de diferentes áreas de atuação e regiões do país. Para chegar aos nomes deles, a seleção partiu de indicações de um comitê formado por figuras de destaque do cenário científico nacional.

A série Folha Descobertas é uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein

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