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Jornalista e quadrinista, é ombudsman da Folha. Já foi secretária-assistente de Redação, editora de Diversidade e editora-adjunta de Especiais e Ilustrada.

Bois e boiadas na reforma tributária

Clareza é essencial para explicar a mudança, sua importância e seus parasitas

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São Paulo

Na semana da votação da regulamentação da reforma tributária na Câmara, passou boi e passou boiada. Mas quanto desse desfile terá chegado a quem (ainda) lê os jornais, e particularmente a Folha?

Terminada mais uma etapa da maratona, o que restam são dúvidas, "dependes" e o Senado para os próximos passos do projeto que altera uma parte grande e importante do regime tributário brasileiro.

A colunista da Folha Deborah Bizarria explicou melhor o ponto de partida: "O sistema atual é um verdadeiro manicômio tributário justamente graças à capacidade de setores organizados conseguirem privilégios e regimes especiais".

E como iluminar o caminho que leva à saída do manicômio, um labirinto de fazer inveja ao do Minotauro, aquele que cobrava uma espécie de tributo na forma de jovens atenienses à guisa de refeição?

Trata-se de trabalho hercúleo destrinchar e apresentar ao leitor a complexidade do assunto e a pouca materialidade de uma discussão feita em camadas, cheia de variáveis e interesses.

Ilustração de Carvall para coluna da ombudsman de 14 de julho de 2024 - Folhapress

A Folha foi bem em alguns pontos, notadamente ao narrar um a um os vencedores do lobby na reforma, mostrar o estouro no teto da alíquota provocado pelas isenções e desenhar caricaturas brasileiras como a redução do imposto do caviar. O destaque dado a essa contabilidade no jornal, porém, foi menor que o merecido.

A Folha também derrapou ao noticiar o resultado da votação. Não foi um grande escorregão, mas um detalhe que mostra por que, às vezes, o produto oferecido a quem paga para lê-lo parece insuficiente. Nos textos de primeira página, o jornal abriu mão de resumir o que é o "cashback". Estado, O Globo e até o Valor, especializado em economia, entenderam a explicação dessa modalidade de devolução de imposto como necessária.

Naturalizar o jargão não é bom, e a clareza talvez seja o ativo mais precioso na cobertura da reforma e de sua regulamentação, complexas já nas origens.

Nas redes, a advogada Maria Carolina Gontijo, ou DuquesaDeTax, cuja autodefinição é "eu explico tributário pra não passar raiva sozinha", ofereceu sua perspectiva da importância da compreensão quando se trata do dinheiro do contribuinte. "O benefício das montadoras, por exemplo. Sabem o que é? Eu vou falar devagar: é um ressarcimento de PIS/Cofins através de créditos presumidos de IPI. Você não entendeu? E você acha que você não entendeu por acaso?"

De resto, cada um se virou como deu. Ao leitor do Estado de S. Paulo foi oferecido um relato de bastidores sobre o tamanho da JBS, dos irmãos Batista, na discussão sobre a inclusão da carne entre os produtos promovidos a "taxa zero" na reforma. "A proximidade da JBS com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva virou munição de críticos durante o debate e foi assunto de uma conversa a portas fechadas entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ex-presidente Jair Bolsonaro", relatava o texto do concorrente paulistano.

O capitão do bolsonarismo teria sido convencido a concordar com Lula em tirar as carnes da mira do novo imposto com o seguinte argumento, mais tarde repetido em plenário: "A tributação seria positiva para a empresa [JBS], uma vez que os pequenos concorrentes internos sofreriam mais do que ela com o aumento da carga tributária, já que, como exportadora, ela ficaria isenta da taxação em boa parte da operação. Ou seja, para atrapalhar a JBS dos ‘amigos do Lula’, o ideal era isentar as carnes".

A cobertura, no geral, foi comendo pelas beiradas no que conseguia captar de mais barulhento. Havia muito mais lobby a distorcer as boas ideias da reforma, mas a etapa atual colocou os holofotes na carne. O Valor foi atrás do que seriam os efeitos da isenção das proteínas, ouviu especialistas e concluiu que o preço "pode demorar a cair", isso se cair. É um processo longo e com suas imprevisibilidades, e algo que faltou explicitar também ao leitor da Folha é como o contribuinte ainda está distante de seus resultados práticos.

No Estado, um ponto a ponto da regulamentação exibiu uma pequena boiadinha da cerveja passando, com "imposto do pecado" menor que o dos destilados.

Outro aspecto pitoresco foi o plano de saúde dos pets. A Folha mencionou que Xuxa e Janja agiram pela inclusão de benefícios à "indústria nascente de planos de saúde para os animais", nas palavras do ministro da Fazenda, exibido num vídeo em que a primeira-dama comemorava também a taxa zero da carne –que não estava na proposta original da pasta. Depois, Fernando Haddad falou que "ministro da Fazenda ou é derrotado ou ele é parcialmente derrotado".

Leitores e contribuintes também podem se sentir um pouco derrotados por imprecisões e dúvidas. Entre elas, como os combalidos jornais vão conseguir explicar, tintim por tintim, do que se alimenta o Minotauro do lobby no Brasil.

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