Alexandra Moraes - Ombudsman

Jornalista e quadrinista, é ombudsman da Folha. Já foi secretária-assistente de Redação, editora de Diversidade e editora-adjunta de Especiais e Ilustrada.

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O que há em um nome? 'Praia', 'blusinha' e 'fim do mundo' (ou 'equilíbrio fiscal')

Com contexto, apelidos de temas legislativos podem deixar cobertura mais didática

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São Paulo

Na semana em que praias e blusinhas se cruzaram bem longe da areia, a Folha demorou a incorporar os nomes populares de uma Proposta de Emenda à Constituição e de uma taxa de importação que pipocaram no Congresso, no governo e nas redes sociais. Eram a "PEC das Praias" e a "taxa das blusinhas".

"Taxa para compras de até US$ 50 será retirada do projeto do Mover, diz relator" era o título inicial e correto do texto em que a Folha narrava o quiproquó no Senado que acabaria em aprovação da taxa de 20% sobre as importações.

O problema? O termo "taxa das blusinhas" havia se popularizado, e o jornal colocava no ar um material totalmente sem "blusinha", enquanto congressistas, governo e comentaristas já tratavam o tributo com essa intimidade.

Teria sido só mais um dia normal de ajustes e correções de rumo no jornalismo se algo parecido não houvesse ocorrido com a polêmica que abrira a semana, uma briga sobre terrenos de marinha e praias.

Coube ao jogo de pressão das redes sociais colocar as faixas de areia no apelido da PEC. Foi assim, então, que as praias se tornaram pivôs da querela virtual entre Neymar e Luana Piovani, na qual embarcariam outros famosos e a funkeira MC Naninha, cuja resposta ao jogador com uma oferta extemporânea de privatização vaginal a Folha julgou digna de registro em seu site.

Um passarinho preto intrigado está pousado no dorso de um rinoceronte que tem escrito em seu corpo seu nome científico: Ceratotherium Simum. O fundo é branco.
Ilustração de Carvall para Ombudsman de 9 de junho de 2024 - Folhapress

A Proposta de Emenda à Constituição 03/2022, relatada por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), não fala em privatizar praias, mas abre a possibilidade de transferir terrenos de marinha em áreas urbanas da União para estados, municípios ou seus ocupantes particulares. O jornal evitava usar o apelido "PEC das Praias", o que parecia um esforço de não ceder a termos incorretos. Mas tropeçou nas praias ao incluí-las, num subtítulo, entre as áreas afetadas pela PEC. O erro foi reconhecido e corrigido.

Parece natural, porém, que as praias sejam centrais na discussão, assim como se destacam na vizinhança de boa parte desses terrenos de marinha, como mostrariam sucessivas explicações e "entendas" produzidos em sites, jornais e TVs. O Globo foi o primeiro dos jornais a desenhar a questão em bons gráficos, além de ter encampado e destrinchado logo a nomenclatura.

Para além do sim e do não, a proposta e sua capacidade de gerar polêmica converteram-se em bons motivos ("ganchos", no jargão jornalístico) para novas apurações sobre a existência de privatização informal nessas áreas e a real capacidade de a União garantir sua preservação ambiental.

Ao longo da semana, a Folha passou a usar "PEC das Praias" nos textos sobre o assunto e começou a entregar o que ficara devendo ao leitor. Reportagens como "Após quase 200 anos, Brasil não sabe qual a linha que define terrenos envolvidos em ‘PEC das Praias’", "Praias públicas têm acesso restrito em loteamentos privados no litoral de SP", entre outras, e até uma notícia sobre o impedimento, na Justiça, da derrubada de um muro particular em Pernambuco ajudam a entender do que se fala quando se fala em venda de praias no Brasil.

No caso das importações, a omissão do apelido do tributo para compras de até US$ 50 foi sanada mais rapidamente. Faltou explicação, no entanto, para a origem e o sucesso do nome "taxa das blusinhas".

Compra-se de tudo pelos apps chineses, mas em algum momento das últimas semanas quem acabou levando a fama (ou a culpa) foi a blusinha. Quando o governo ainda falava em vetar a medida, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu a massa importadora como "meninas e moças que querem comprar uma bugiganga". O leitor da Folha só viu alguma ponderação a respeito do nome dado à taxa em uma coluna de Mariliz Pereira Jorge e uma charge de Laerte.

Nas redes sociais circulam há anos memes sobre compra de "brusinhas", grafadas assim mesmo. Teria a brusinha da piada digital se rendido à ortografia para virar a blusinha da taxa? Ou sai mais barato politicamente associar a cobrança a um item que pode ser percebido como feminino e fútil? O leitor não fica sabendo.

O jornal, por sua vez, perde mais do que cliques ao recusar termos populares. Acaba demorando a elucidar aspectos destacados nos epítetos.

Versões conflitantes deles apareceram no noticiário sobre a medida provisória que restringe o uso dos créditos tributários do PIS/Cofins. Sem causar tanta comoção nas redes, a MP fez estragos mais importantes na relação entre Congresso, governo e setores produtivos.

Tendo já vindo batizada das respectivas trincheiras, a MP ganhou não um mas dois nomes, mostrou a Folha: "MP do fim do mundo" e "MP do equilíbrio fiscal", ao sabor do juízo de cada lado. É, afinal, uma maneira eficiente de resumir a contenda e dar nomes aos bois.

Erramos: o texto foi alterado

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) é relator, não autor, da Proposta de Emenda à Constituição 03/2022, que ficou conhecida como “Pec das Praias”.

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