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Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

'A gente é negro'

É difícil escapar da máquina de inferiorização

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O diálogo é curto, mas capaz de ilustrar com clareza o que é ser negro no Brasil do século 21.

—Quê! Eu não sabia que tu é (sic) importante!

—Como não sabia? Claro que sou importante, sou tua mãe.

—Não tô (sic) falando importante pra mim. Isso eu sei. Tô (sic) falando importante para um jornal querer saber a tua opinião sobre as coisas.

—Sério, filho?

—Ah, mãe! Tu sabe (sic), né. A gente é negro.

A manifestação de surpresa saiu da boca de uma criança de 12 anos que não escondeu o espanto ao saber que a mãe, uma mulher negra, havia sido convidada a integrar o time de colunistas da Folha e, assim, poderia manifestar regularmente sua opinião em espaço nobre da imprensa nacional.

As palavras ecoaram na cabeça. Naquele momento, veio um aperto no peito, angústia, sensação de fracasso. E uma espécie de dor aguda se apoderou da minha alma. Poucas, curtas e simples sentenças expuseram toda a rudeza da missão de fomentar a autoestima de quem nasceu em uma sociedade alicerçada na desigualdade, especialmente a racial.

Apesar de estar crescendo em uma família de classe média, de ter o privilégio de estudar em boas escolas, de ter acesso a cultura e lazer, meu filho não me vê —e, o que é ainda mais grave, também não se vê— como parte de um grupo de pessoas merecedor de reconhecimento ou de respeito a suas ideias. Uma década de orientação e de informação sobre a contribuição social dos negros para a construção da sociedade brasileira, além do constante estímulo à valorização das pessoas pelo que são —não pelo que aparentam ou possuem—, não é nada frente a séculos de opressão.

Difícil escapar da máquina de inferiorização. O diálogo lá do começo revela muito sobre pertencimento. Sobre déficit de representatividade. E sobre os efeitos vis e perversos do racismo no Brasil. Algo capaz de minar a confiança e a autoestima de uma maneira implacável. Sem dó ou piedade. Independentemente de idade.

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