Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)
'Mentiras sinceras' não interessam
A pátria onde hoje 33 milhões passam fome faz lembrar a canção Miséria
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Do uso da máquina pública à disseminação de fake news, da violência política de gênero passando por reiteradas denúncias de assédio eleitoral, o cotidiano brasileiro parece ter sido sequestrado pelo realismo fantástico de maneira a causar inveja a muito roteirista de ficção (e dos bons) nestas eleições. A sucessão de absurdos é tamanha que está cada dia mais difícil de saber se "a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida", como disse o escritor irlandês Oscar Wilde, ou se é exatamente o contrário.
Com base num perverso estratagema eleitoreiro de exploração da vulnerabilidade social, a três semanas do segundo turno do pleito os beneficiários do Auxílio Brasil começaram a ser seduzidos com empréstimos consignados —e induzidos a se atolar em dívidas.
Coisa de dar dó, especialmente num cenário em que 40% da população adulta do país terminou o mês de setembro com o nome sujo na praça. É um recorde de inadimplência desde que o índice começou a ser aferido, há oito anos.
E consegue ficar ainda pior quando se analisa o perfil das dívidas: contas básicas como água, luz e gás foram as que mais cresceram. Mas o grande vilão é o cartão de crédito. Sete em cada dez brasileiros se endividaram usando o rotativo para comprar comida a prazo.
Numa pátria onde hoje 33 milhões passam fome, faz lembrar a canção Miséria, hit dos Titãs: "Miséria é miséria em qualquer canto/ Riquezas são diferentes/ A morte não causa mais espanto/ Riquezas são diferentes."
Tão diferentes que a pobreza em muitos casos passa longe da esfera material, pois é moral ou de espírito a ponto de a morte de mais de 687 mil vítimas da Covid-19 não causar espanto suficiente em parte significativa dos nacionais e ainda redundar em apoio eleitoral.
Resta a esperança de que "amanhã, a luminosidade, alheia a qualquer vontade, há de imperar!" como na canção de Guilherme Arantes. Contrariando o que cantou Cazuza, "mentiras sinceras" não interessam.
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