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Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Cadê as surubas?

Passamos dois anos delirando: como vai ser a vida quando inventarem uma vacina?

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Passamos dois anos conjecturando, desejando, delirando: "como vai ser a vida quando inventarem uma vacina e todo mundo puder sair de novo?" Pois bem, amigo, amiga: sem gongo nem corneta, discurso do William Bonner ou notificação no celular, fomos do "vai ser" pro já é.

Nas últimas semanas saí de casa algumas vezes, doido pra conhecer o famigerado "novo normal". Até agora, o que mais me chamou a atenção foi: pra todo lado que eu olho, não tá rolando suruba. (Verdade: talvez eu esteja olhando pro lado errado. Ou certo? A nível de suruba, a experiência do usuário depende muito da posição de cada um)

Uma nova Sodoma era o prognóstico mais comum durante a infinita modorra de lives, zooms, faxinas, Doritos com requeijão e etilismo diurno –segunda-feira, três e meia da tarde, sol lá fora, hora do almoço [Doritos com requeijão], por que não uma cervejinha [7]? Em programas de televisão, historiadores nos contavam sobre as pantagruélicas orgias pós-pestes: um "De olhos bem fechados" na rabeira de cada vírus derrotado.

Vislumbrei um futuro de sabás, de Bacantes insaciáveis ao som de "Man eater", abafado aqui e ali pelos gritos de "chuuuuupa, Boccaccio!". Teve gente que começou a correr na esteira assim que ouviu pela primeira vez "AstraZeneca". Eu mesmo devo ter dito, vez ou outra –na esteira–, "quando tudo isso acabar, vou é cair na suruba!", mas era da boca pra fora. Da boca pra dentro eu nunca desejei participar de uma suruba.

Já acho dificílimo lidar com eventos sociais em que tá todo mundo vestido, querendo apenas trocar ideias. Imagina a álgebra psicossocial num bar inteiro peladão, querendo trocar fluidos? Eita. Desde abril de 2020, eu sofria: como devemos nos portar numa suruba? Qual a etiqueta –ou, nas orgias da Fiel, o "procedimento"– em situação de sexo grupal? Melhor ficar na sua, jogando na defesa, na bola parada, e, achando uma brecha, subir com velocidade? Ou, pelo contrário, a dica é se lançar num esquema de Carrossel Holandês, passando por todas as posições, de peito aberto pro acaso?

Eu seria péssimo de suruba. Péssimo. Sempre sofri muito com esportes coletivos, incluindo aí o mais bruto e anárquico deles, a conversação. Ontem, num bar, sem qualquer tensão sexual em jogo, já cometi umas quatro ou cinco gafes. Troquei nomes, confundi histórias, errei cônjuges –e não estava sob efeito de Doritos ou qualquer estupefaciente. Era só o meu velho eu sendo si mesmo novamente por aí. Imagina se fosse suruba?

Posso ver a cena: dois amigos falam de quem já reencontraram pós-vacina, até chegarem a mim. "Rapaz, ouvi dizer que o Antonio não tá legal, anda broxando em suruba...". "Sabe que eu ouvi a mesma coisa? Foi na suruba de Gonçalves, da galera do Santa?". "Não, nada a ver, era na Vila Leopoldina, um pessoal do Oficina". "Ih, cara, então foi em mais de uma...". A broxada no velho e bom um(a) a um(a) já é horrível. Imagina levantar-se (sem duplo sentido) diante de inúmeros seres humanos em plena atividade e ter que bradar: "desculpa aí, galera! Não são vocês, tá?! Sou eu!".

Não. Suruba –se rolar– vou tá passando. Prefiro aproveitar a volta gradual à vida social para reencontrar um prazer do qual fui privado nos últimos vinte meses: achar um programaço pro sábado à noite, tomar um banho, botar uma roupa velha e me jogar, com a euforia represada por 600 dias, nas almofadas do meu sofá.

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