Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Quando a quarentena acabar

Vou compor uma sinfonia, correr uma maratona e me formar em filosofia

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Ilustração de pessoa pulando uma grade bem alta; coluna de Antonio Prata do dia 24 de maio
Adams Carvalho/Folhapress

Quando a quarentena acabar a gente vai passar um mês na praia com as crianças. Quando a quarentena acabar a gente vai viajar sem as crianças, pelo amor de Deus. Quando a quarentena acabar eu vou acampar durante uma semana dentro de uma churrascaria rodízio –só vou no bufê de salada domingo à noite.

Quando a quarentena acabar eu vou parar de comer carne. Quando a quarentena acabar eu vou caminhar de Pinheiros até o Sesc Belenzinho, nu, tocando cuíca e tomando uma cerveja em cada boteco que surgir pela frente. Quando a quarentena acabar eu não vou beber por um tempão. Vão ser sete anos só de suco verde. Eu vou fazer o caminho de Santiago bebendo suco verde. Nu.

Quando a quarentena acabar estranhos se abraçarão nas ruas. Quando a quarentena acabar, ninguém mais vai apertar a mão de ninguém. Este vai ser o novo normal quando a quarentena acabar. Quando a quarentena acabar ninguém mais falará “o novo normal”, porque neste anormal “novo normal” da quarentena a gente ouve “o novo normal” dezessete mil novecentas e trinta e duas vezes por dia. Palavras outrora inofensivas como “rebanho” “pico”, “achatamento”, “curva” e “máscara” ainda farão tilintar tristes sinapses décadas depois de a quarentena acabar.

Um estudo alemão afirma que a economia global será totalmente repensada até o fim do ano. Um estudo espanhol afirma que não haverá mais economia global até o fim do ano. Os imbecis do governo brasileiro não acreditam em estudo. Quando a quarentena acabar o Brasil estará destroçado e vamos todos pra rua derrubar esses assassinos. Quando a quarentena acabar o Brasil estará destroçado e haverá ainda mais adubo para a burrice, o ódio e a violência.

Gustavo, quando a quarentena acabar a gente vai correr no Minhocão todo domingo. Fabrício, quando a quarentena acabar a gente vai comer nirá e bardana numa calçada da Liberdade. Mattoso, quando a quarentena acabar a gente vai escrever um longa. Paulinho, quando a quarentena acabar eu serei um padrinho mais presente pro Valentim. Dinho, quando a quarentena acabar eu vou fazer um jantar pros seus pais, em agradecimento a tudo o que eles fizeram por mim na adolescência. Sim, Oli e Dani, a gente vai ver as girafas no zoológico quando a quarentena acabar. Sim, a gente pode convidar a Rita e a Ceci. E o Tugo e o Teo. E o Lucas e a Nina. E a Luisa. A Lulu. A Coca. A Ana e o Luca. A vovó Tuni. A vovó Marta. A vovó Lena. A gente aluga uma van. Ou duas.

Quando a quarentena acabar vai ser tipo “Sociedade dos poetas mortos”. “O captain! My captain!” em cima da mesa, carpe diem desde o café da manhã. Algo entre Walt Whitman e Walter White. O Carnaval pós-quarentena vai deixar o golden shower de 2019 pudico como uma espargida de água benta.

Quando a quarentena acabar eu não vou mais escrever essas crônicas preguiçosas que repetem uma frase e só mudam o finalzinho, que nem música ruim da MPB. Quando a quarentena acabar eu vou compor uma sinfonia, escrever um romance, correr uma maratona e me formar em filosofia. Ao mesmo tempo. Durante uma suruba. Envolvendo girafas. Na churrascaria rodízio. Na beira do caminho de Santiago. Sentido Sesc Belenzinho.

Opa, acabou a quarentena? Vamos! Vou! Já! Muito! Espera, deixa só responder esses emails, espera, tenho que acabar este roteiro, espera, tem que comprar óleo de soja, espera, tem que pagar o boleto do condomínio, espera, Sesc Belenzinho? Mesmo? Lá longe? E se a gente ficasse em casa e visse uma série na Netflix? A gente pede uma pizza. Ou faz um ovo. Não sobrou miojo do almoço?

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