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Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

'Get Back'

Documentário sobre os Beatles é tão sensacional que decidi só escrever sobre ele nos próximos meses

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No final da vida, Guglielmo Marconi, um dos inventores do rádio, estava convencido de que o som durava pra sempre. Todas as palavras, espirros, goteiras e trovões, segundo o italiano, continuavam entre nós, como fantasmas sonoros vagando pelo espaço. Bastava criar um aparelho suficientemente potente e encontrar a sintonia exata para ouvirmos nosso primeiro choro, o "Terra à vista!" na caravela de Cabral, a pré-estreia inteirinha –só pra convidados– de "Édipo Rei". Marconi morreu sem saber que estava errado. (A história tá no excelente "O palácio da memória", ed. Todavia).

Som é energia passando através da matéria. No choque da energia com a matéria, a energia se dissipa. Uma palavra dita é como uma pedra jogada num lago, os círculos vão diminuindo até sumir. Já com a luz é diferente: ela segue pra sempre através do espaço, rebolando pra cá e pra lá quando atraída por corpos celestes, tão irresistíveis que, diva absoluta, a luz atrasa o tempo só pra passar pertinho deles.

Ao contrário do som, portanto, as primeiras imagens do universo continuam vivas, viajando por aí. O brilho das estrelas que vemos hoje, todo mundo sabe, levou milhões ou bilhões de anos pra vir dos cafundós do cosmos até nossas pupilas. A lua que você vê existiu há 1,3 segundo. Júpiter nos chega com 45 minutos de atraso e as informações dos últimos parágrafos com dois meses: são da New Yorker de 16 de agosto. (Os prováveis erros de física, todos meus, são de sexta à tarde).

Dia 22 de dezembro a Nasa vai pôr em órbita, a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, o telescópio James Webb, um projeto de vinte e cinco anos, catorze países e dez bilhões de dólares. Um telescópio enxerga longe não só no espaço, mas no tempo. A traquitana de sete toneladas permitirá aos astrônomos enxergar o universo bebê de 13 bilhões de anos atrás, quando a primeira dentição de estrelas nascia junto às mandíbulas das galáxias.

Ir das estrelas do céu pras da Terra pode parecer um movimento tão forçado quanto piegas, mas quem viajou recentemente a 1969 com o documentário dos Beatles certamente apoiará minha manobra. "Get Back" (Disney +), como já se sabe até em Andrômeda –a galáxia mais próxima da Terra, a 2,5 milhões de anos luz– traz quase nove horas de material –boa parte inédito– dos últimos dias do quarteto.

Imagina um BBB, só que em vez de vermos o Lucas pedindo pra sair da casa, assistimos ao George Harrisson avisando que vai sair dos Beatles. Em vez de torcermos para o Fiuk dar bola pra Juliette, cruzamos os dedos para que o John não troque o Paul pela Yoko –ainda. BBBeatles com pay-per-view liberado, vários paredões, provas do líder e cerveja liberada.

Não quero fazer comparações precipitadas e no calor da emoção, mas imagino que um astrônomo, vendo o nascimento de uma galáxia pelo James Webb, se entusiasmará como eu vendo a melodia de "Get Back" surgir de uma nebulosa sonora no violão do Paul. Ou vendo George apresentar pela primeira vez "I me mine", inspirado num programa de TV, visto na noite anterior. Ou o segundo verso de "Something" passar do estepe "attracts me like a cauliflour" (me atrai como uma couve-flor) para "attracts me like no other lover" (me atrai como nenhuma outra amante).

O documentário é tão sensacional e o mundo tá tão decrépito que decidi só escrever sobre "Get Back" nos próximos meses. Cinco crônicas? Dez? Trinta? Não sei. Vou me refugiar do desmantelo de 2021 morando em 1969 com meus amigos de Liverpool. Pelo menos até que o James Webb entre em órbita e revele alguma maravilha escondida "Across the universe". "Jai guru deva ommmmmm".

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