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Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

Favor não prestar atenção à tragédia

Evidência mostra que dar atenção a casos como o ataque em escola de São Paulo pode estimular eventos similares

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O assassinato da professora na escola dominou o noticiário e as redes sociais. Será que demos atenção demais à tragédia? Essa atenção toda poderia estimular novos ataques?

Essa questão ilustra bem as dificuldades de estabelecer relações de causa e efeito em ciências sociais como a economia. Mas apesar dos obstáculos, existem métodos que, aliados à criatividade dos pesquisadores, conseguem achar respostas confiáveis.

Começo pelas dificuldades.

Dados de assassinatos em escolas e notícias na imprensa podem apontar padrões. Por exemplo, podem nos mostrar que depois de assassinatos em escolas, há em média mais notícias; e seguindo as notícias, há mais incidentes, em média.

Velório da professora Elizabeth Tenreiro, 71, no cemitério do Araçá, em São Paulo, morta por um aluno na escola estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste da cidade - Bruno Santos - 28.mar.23/ Folhapress

Isso, porém, não nos permite desvendar o que está causando o quê. Pode ser que notícias estimulem atentados. Mas pode ser também que outros fatores estejam levando a mais violência e mais notícias. Em ambos os casos, veríamos mais bombas estampadas em bancas de jornal e explodindo em colégio de criança.

Para estabelecer relações de causa e efeito, pesquisadores nas ciências naturais realizam experimentos.

Com 7 anos de idade, nós plantamos um feijão num vaso e deixamos outro sem semente. Depois, comparamos os dois.

Para testar vacinas contra o coronavírus, sorteamos um grupo de tratamento que toma a vacina e um grupo de controle que recebe um placebo. Depois, comparamos os resultados.

Mas para a maior parte das questões nas ciências sociais, essa abordagem não funciona.

Não conseguimos sortear políticas monetárias ou fiscais diferentes para grupos de países. Os déficits e taxas de juros de cada país não são sorteados, são escolhidos, e assim refletem características de cada país que também afetam a economia. Por isso, não conseguimos aprender somente estudando os padrões nos dados.

Da mesma maneira, o que sai nos jornais e viraliza nas redes sociais não é escolhido por sorteio.

Pesquisadores empíricos precisam achar maneiras de encontrar variações aleatórias na cobertura da imprensa. Essas variações aleatórias criam algo parecido com grupos de tratamento e controle.

Por exemplo, desastres naturais (terremotos, tsunamis) acontecem de modo aleatório para nós (não conseguimos prever suas ocorrências) e reduzem o espaço na mídia para outras notícias.

Se um grande terremoto tivesse ocorrido nos Estados Unidos na segunda-feira (27), os jornais teriam dado um pouco menos de espaço para o assassinato da professora na escola em São Paulo.

Por outro lado, é improvável que esse terremoto, por si só, afetasse a ocorrência de eventos violentos nos próximos dias aqui no Brasil.

Então, eventos como esse terremoto criam um grupo de eventos com menos repercussão na mídia por um motivo aleatório –algo que aconteceu em outro país, sem relação com atos violentos no Brasil. Isso é uma espécie de grupo de controle.

O grupo de tratamento inclui os eventos com maior repercussão na mídia pela falta de outros assuntos bombásticos no dia.

Aí, usando técnicas estatísticas, comparamos o que acontece depois nos grupos de tratamento e de controle.

Esta é uma explicação bem simplificada da técnica de estimação por variáveis instrumentais, muito usada em ciências sociais como a economia.

Trabalhos que comparam esses grupos de tratamento e controle mostram que maior repercussão na mídia de fato causa mais ações terroristas e assassinatos em massa. O efeito é grande. [referências aqui e aqui]

De acordo com a evidência empírica, nossa atenção a assassinatos como o de segunda-feira estimula incidentes similares.

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