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Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Detetives do prédio de azulejo investigam sumiço de um chihuahua

Quem já teve a idade de um pequeno Sherlock conhece o frio na barriga que eterniza a mais banal das aventuras infantis

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Uma lâmpada trêmula durante o interrogatório. "Onde vocês estavam naquele 31 de dezembro?" Frase policial clichê, mas não para os sete pirralhos deste caso: os detetives do prédio de azulejo.

Tudo começou quase às doze badaladas, em Lisboa. Num restaurante simples do bairro de Madragoa, mais precisamente no colinho macio da dona de Dodô, um chihuahua que não estava nada feliz.

"Dodô, olha pra foto, olha!", ela pedia, sacudindo um naco de pão. "Ele adora selfies, tão bonitinho... Parece até que sorri." Ao que o cachorro retrucava, entredentes, com um grrrrr bastante justificável.

À medida em que o réveillon se aproxima, inicia-se a campanha em prol de bichinhos assustadiços, vitimizados pelo pé-na-jaca de seus humanos de estimação. São potinhos vazios e coleiras paradas, enquanto festas regadas a funk, pagode, sertanejo e Corote azul não têm hora para acabar.

Sem esquecer o impacto esporrento dos fogos de artifício em tímpanos sensíveis como os de Dodô. "Aliás, foi por isso que eu e meu marido não deixamos nosso fofucho em casa. Imagine: uma barulhada horrorosa e o coitado sozinho! Né, neném?" Grrrrr.

Enquanto o doguinho recebia paparicos indesejáveis, sonhando com sossego ou pelo menos uma bolsinha de grife onde pudesse se aconchegar, as crianças à mesa confabulavam. Sedentas por traquinagem.

No que começou a contagem regressiva, foi todo mundo brindar do lado de fora. Adultos erguendo espumantes, guris entornando guaraná brasileiro muambado. E Dodô ali, em sua dolorosa sobriedade canina, agora encaixado no sovaco de sua mãe de pet.

"Cinco, quatro, três, dois..." Por entre abraços e beijos repletos de esperança, antes mesmo que o "um" espocasse entre gritos de "Feliz Ano Novo!", Dodô deu no pé. Melhor dizendo, saiu cantando as quatro patinhas, aterrorizado pelo foguetório. Os paladinos da lei, enfim, tinham uma treta a solucionar.

Compenetrados, analisando pistas e molhando a ponta dos dedos para assuntar a direção do vento, formaram uma patrulha canina. Nenhuma pedra portuguesa escapou à investigação. Enquanto a dona de Dodô soluçava na calçada, cada parzinho de olhos mirins era um farol na madrugada.

Spoiler: acharam Dodô no dia seguinte, praticamente adotado por uma família que havia ficado quieta em casa. Foram todos felizes, mas sobretudo aquelas crianças. Quem já teve a idade de um pequeno Sherlock conhece o frio na barriga, a emoção que eterniza a mais grandiosamente banal das aventuras infantis. O primeiro CSI a gente nunca esquece.

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