É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'
Um raio-X da Covid em atletas
Embora apresentem uma doença branda, atletas com sintomas persistentes podem não estar aptos a competir em alto nível
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No primeiro ano da pandemia, observamos que aproximadamente 12% dos jogadores que disputaram torneios da Federação Paulista de Futebol foram diagnosticados com Covid-19. Até então, um recorde mundial. A barra foi erguida com a chegada da ômicron. Não houve protocolo de segurança capaz de deter a extraordinária capacidade de transmissão da variante, que fez estragos da NBA a Champions League.
Num primeiro olhar, os atletas mostraram-se blindados a quadros graves da doença. Porém, cresceram os relatos de sintomas persistentes e eventos mais graves, como a miocardite. Afinal, qual foi o saldo da Covid no mundo do esporte?
Em busca de respostas, a Coalizão Sport-Covid-19 —consórcio de cientistas brasileiros dedicado a investigar o impacto da doença em atletas— conduziu, talvez, a mais ampla revisão da literatura especializada, com achados esclarecedores. Convém ressalvar que o artigo segue em análise por pares, mas o caro leitor merece uma palhinha.
Foram revisados 43 estudos, que avaliaram cerca de 11,5 mil atletas amadores e profissionais infectados. Destes, 90% foram assintomáticos ou apresentaram quadros leves da doença. Os casos graves não chegaram a 1,5%, número inferior ao encontrado entre jovens em geral.
Interessantemente, notamos que 8% dos atletas apresentaram sintomas persistentes —a chamada Covid longa. Anosmia (perda de olfato) e a disgeusia (distorção ou redução do paladar) foram as queixas mais comuns (aproximadamente 30%), seguidas por tosse (cerca de 16%), fadiga (9%) e dor no peito (cerca de 8%).
Embora pareçam inofensivos à primeira vista, esses sintomas prolongados podem representar uma pedra no caminho de um competidor de alto nível. Um estudo com atletas olímpicos ingleses revelou que 3% reportavam queixas três meses após a infecção, provavelmente, prejudicando-os na preparação para os Jogos de Tóquio.
É preciso lembrar que no esporte de elite, mínimas discrepâncias físicas e mentais definem quem sobe ou não ao pódio.
Como geralmente a doença se manifesta de maneira leve em atletas, o retorno à prática esportiva tem sido cada vez mais abreviada. Os protocolos da NBA e da NFL —ligas americanas de basquetebol e futebol americano—, encurtaram para cinco dias o período mínimo de isolamento e retomada de treinamento dos jogadores.
Após um período tão curto de recuperação, uma parcela considerável de atletas que sofre com sintomas residuais pode não estar completamente apta a competir em alto nível.
Uma preocupação que transcende o desempenho esportivo são os supostos danos cardíacos provocados pela Covid. Quanto a isso, entretanto, os dados atuais são mais animadores.
Cerca de 2,5% dos atletas infectados apresentaram sinais de inflamação do músculo cardíaco —as chamadas miocardites e pericardites. Contudo, os estudos que dispunham de comparativos adequados (exames prévios à infecção ou controles não infectados) foram incapazes de estabelecer uma relação causal entre os achados cardíacos e a Covid.
Embora tenhamos avançado na compreensão do impacto da Covid no esporte, diversas questões permanecem: quem são os atletas mais susceptíveis aos sintomas persistentes?; até que ponto as sequelas afetam o desempenho físico e a saúde geral?; quais os cuidados a serem tomados para um retorno seguro à prática esportiva?; vacinas e outros medicamentos são eficazes em prevenir a Covid longa nessa população?
Ao que já se sabe, porém, com ou sem histórico de atleta, a Covid está longe de ser uma gripezinha.
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