Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Ansiedade e expectativas ruins estão por trás dos eventos adversos mais comuns em vacinas

Três em cada quatro eventos adversos atribuídos aos imunizantes podem não ter a ver com a vacina

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No século 16, o médico austríaco Franz Mesmer pregava que todos os seres vivos e inanimados seriam dotados de uma força natural invisível com propriedades curativas, evocada por meio da "mesmerização" de objetos. Encafifado com a ladainha, o monarca francês Luis 16 nomeou Benjamin Franklin e Antoine Lavoiser para investigarem a prática.

Os célebres cientistas decidiram então comparar as respostas de pacientes expostos a objetos "mesmerizados" ou meramente ordinários, sem os declarar como tais. Como as reações não diferiram entre as condições, Franklin e Lavoiser concluíram que os efeitos do mesmerismo eram fruto de "imaginação", e que seu criador não passava de um charlatão.

Esse é tido como o primeiro experimento com controle por placebo da história. Quem o conta é Ted Kaptchuck —uma das maiores autoridades sobre o tema— em artigo publicado na Bulletin of the History of Medicine (Intentional ignorance: a history of blind assessment and placebo controls in medicine), que narra os avanços da ciência sobre o intrigante efeito placebo.

Pessoa em pé com linhas saindo dos dedos e se ligando em outra pessoa sentada
Praticante de mesmerismo em paciente - Wellcome Library

O efeito placebo pode ser definido como uma resposta orgânica positiva produzida por uma intervenção inerte. Por exemplo, pessoas tratadas com homeopatia, especialmente quando creem em sua eficácia, podem apresentar alguns resultados clínicos favoráveis, mas que se equivalem aos produzidos por substâncias não ativas —chamadas de controles ou placebos, no contexto de um ensaio clínico. Podemos dizer que a homeopatia "funciona"? Sim, graças ao (ou às custas do) efeito placebo.

O verdadeiro oposto do efeito placebo é o nocebo —uma resposta orgânica negativa induzida por uma intervenção inerte. Assim como boas expectativas são capazes de ensejar desfechos positivos, a desesperança faz o contrário.

Kaptchuck e equipe conduziram um recente estudo que ilustra a onipresença do efeito nocebo em nossas vidas. Os pesquisadores revisaram 12 estudos que reportaram a frequência de eventos adversos não graves em pessoas vacinadas contra a Covid-19 e naquelas que receberam a injeção com a substância inativa.

Comparados aos falsamente imunizados, os vacinados apresentaram maior frequência de eventos adversos sistêmicos (fadiga, dor de cabeça, mal-estar, dor articular) e localizados (dor, vermelhidão e edema associados à injeção). Todavia, o número de eventos adversos entre os que receberam o placebo foi substantivo: 35% e 32% após a primeira e a segunda doses, respectivamente.

Calculando a razão de ocorrências entre os vacinados e os não vacinados, os pesquisadores puderam estimar que 76% dos eventos adversos sistêmicos após a primeira dose não estão associados ao imunizante em si, mas sim ao efeito nocebo.

Os achados são relevantes à saúde pública. Especialistas, agências regulatórias e a própria mídia costumam atribuir diretamente à ação das vacinas sintomas como fadiga e dor de cabeça, embora estes também ocorram frequentemente na ausência de qualquer tratamento ativo, como se viu no estudo. Esse tipo de informação pela metade pode produzir ansiedade e expectativas ruins, ampliando o número de eventos adversos associados ao efeito nocebo.

Obviamente, o esclarecimento acerca de potenciais eventos adversos inerentes a qualquer tipo de medicamento é medida eticamente necessária. Porém, dados recentes sugerem que pessoas também informadas sobre a existência do efeito nocebo têm menores chances de apresentarem efeitos colaterais.

A principal causa de relutância ou recusa à vacinação é o receio de eventos adversos. Como aconselha Kaptchuck, campanhas educativas devem esclarecer que até 3 em 4 cada ocorrências associadas aos imunizantes se devem, na realidade, ao efeito nocebo. Tal medida poderia reduzir a relutância vacinal —fenômeno listado pela OMS entre as dez ameaças globais à saúde.

Finalizo recomendando ao nosso caro leitor que renove o otimismo com as vacinas. Não "apenas" porque estas salvam vidas —como abundantemente documentado—, mas também porque pessimistas tendem a sofrer mais com o tal do efeito nocebo.

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