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Por Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP, e Raúl González Lima, pró-reitor adjunto, coluna examina casos que podem inspirar o Brasil a avançar no setor de inovação

Governança global é imprescindível em desafios que ultrapassam fronteiras

Crise do clima, fome e risco de genocídios são problemas existenciais

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A agenda de inovação não se limita ao desenvolvimento de tecnologias que possam melhorar a vida das pessoas. Como enunciado em nosso primeiro artigo neste espaço, trata-se de um processo para transformar ideias em impacto positivo na sociedade, entendida de forma ampla, sem as artificiais fronteiras que delimitam os países.

A humanidade enfrenta desafios que chegam a ameaçar nossa existência como espécie e cujas soluções exigem esforços coordenados em nível internacional. Exemplos desses desafios incluem a crise climática e a necessidade de reduzir os efeitos deletérios da ação humana, o combate à fome e à subnutrição e a ocorrência, em pleno século 21, de genocídios de populações indefesas cuja prevenção não apresenta interesses econômicos ou estratégicos dos países que dominam a ordem global.

A necessidade de organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas, para a resolução de conflitos entre países, foi reconhecida após a última guerra mundial. É suficiente?

A bióloga Lucy Santos Vilas Boas, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da USP, em São Paulo (SP), durante pesquisa sobre a Covid-19 - Rubens Cavallari/Folhapress

Acreditamos que há necessidade de novos modelos, de novas formas de organização que possam lidar com questões específicas num ordenamento que permita ressaltar as vantagens da cooperação internacional em contraposição à defesa de interesses nacionais.

Há exemplos de coordenação entre nações como a regulação internacional da aviação civil ou de transporte marítimo, com a padronização dos contêineres utilizados em todo o mundo, a erradicação da varíola de ocorrência natural em 1980 e os esforços de erradicação da poliomielite.

O Estatuto de Roma representa uma inovação na ordem global, por ser um acordo entre estados nacionais arbitrado e implementado por uma instituição internacional independente. Os modelos devem ser aperfeiçoados e adaptados a outras áreas, como o enfrentamento da crise climática.

A construção de novas formas de governança para responder a desafios globais depende de esforços coletivos e, de modo especial, da participação da comunidade acadêmica. Ademais, entendemos que uma tal construção só poderá ter sucesso se agregar pesquisadoras e pesquisadores de diferentes áreas de especialidade, desde cientistas sociais até cientistas de áreas "duras", como física e engenharia, passando por indispensáveis cientistas de dados.

No próximo dia 16 de outubro, inauguraremos oficialmente na USP um projeto multidisciplinar com o objetivo de desvendar novos fundamentos para uma ordem global voltada aos interesses da juventude, a quem temos de deixar um planeta habitável e sustentável.

Como se trata de um projeto de inovação, além de buscarmos diversidade de áreas de atuação, precisaremos agregar atores de diferentes regiões do planeta, além de envolver ativamente a juventude. Contaremos com a liderança de Luís Moreno Ocampo, que será o primeiro titular da nova Cátedra Erney Plessman de Camargo.

Moreno Ocampo tornou-se inicialmente conhecido, em meados dos anos 1980, por sua atuação como procurador-adjunto no processo em que lideranças do regime militar argentino foram responsabilizadas por crimes contra a humanidade. Posteriormente, ele foi o primeiro procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional, criado pelo estatuto de Roma, com o desafio de implementar, na prática, o conceito de justiça em contraponto à violência.

É preciso eliminar guerras como modo de resolver conflitos entre comunidades. De forma sintomática, alguns países não se associaram ao tribunal, para não renunciarem ao poder de impor seus próprios interesses.

Pretendemos abordar diversos tópicos através de estudos de casos, que permitam diagnosticar os problemas e buscar soluções. Parte do nosso foco será devotado à noção de justiça global. Como se trata de um projeto de inovação, não nos basta formular soluções acadêmicas, buscamos a implementação de iniciativas concretas. Nossa receita será pensar globalmente e construir ações localmente. Justamente por isso, será necessário incorporar parcerias em outras localidades.

Como são percebidas as limitações dos paradigmas legais, baseados no conceito de soberania nacional, em diferentes países, tanto no mundo ocidental quanto em países como Rússia, China e Oriente Médio? Que tipo de estrutura supranacional, fugindo do modelo de representação de cada país e de seus interesses regionais, poderia ser construído, com ampla aceitação? Como adotar modelos de abrangência global que possam ser aplicados em soluções locais? Para abordar essas questões, criaremos uma série de cursos em formato híbrido, em parcerias com universidades de outros locais.

Vivemos um momento de conflitos bélicos vitimando populações civis, com diferentes graus de atenção e ação da comunidade internacional. A invasão da Ucrânia concentra as atenções há mais de um ano e meio, em conflito militar de grandes proporções e implicações geopolíticas de enfrentamento entre ocidente e oriente. Sem relevar a gravidade da invasão de um país soberano e o imperativo da defesa militar diante de uma agressão, entendemos que há necessidade de uma abordagem diplomática, política e com base em legislação internacional existente.

O próprio conflito, ao concentrar as atenções, foi pretexto para uma ação no Azerbaijão, contra uma população armênia, que esteve ausente dos principais meios de comunicação até ser caracterizado publicamente como genocídio por Luís Moreno Ocampo. No último fim de semana, testemunhamos um ataque terrorista de grandes proporções em Israel, vitimando enorme número de jovens que estavam numa festa, dançando. Em resposta ao ataque, cresce o número de vítimas civis na Faixa de Gaza. Os conflitos nessa região, que parecem insuperáveis, não podem deixar impassíveis as pessoas que apreciam a noção de uma justiça global.

Finalmente, vemos a erosão de mecanismos democráticos institucionais como uma ameaça à estabilidade das relações em sociedade. A similaridade de métodos e propósitos de revoltas como a de 6 de janeiro de 2021, nos EUA, e 8 de janeiro de 2023, em Brasília, demanda uma melhor compreensão. É necessária uma abordagem multidisciplinar, envolvendo jornalismo investigativo, o uso de ferramentas de inteligência artificial para compreender a dinâmica de comunicações em redes sociais e vieses nas grandes mídias, além de analisar a qualidade de funcionamento de nossas democracias representativas.

Universidades não podem ser omissas no tratamento dos grandes problemas da atualidade. Somos atores indispensáveis na promoção de uma agenda de inovação que resulte em impacto benéfico na sociedade. A USP construiu, ao longo de seus quase 90 anos, competências em quase todas as áreas do conhecimento. Nossa visão não pode se restringir a avanços em áreas compartimentalizadas e nosso alcance não deve se restringir à nossa região, pois nossa vocação, desde a fundação, é internacional.

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