Descrição de chapéu saneamento

Amigos criam kit para levar água potável a favelas, semiárido e Amazônia

João Manuel Piedrafita e Rodrigo Belli construíram na faculdade as bases da Água Camelo, finalista do Empreendedor Social na categoria Inovação para o Século 21

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Em área de mata, menina indígena bebe em copo de vidro água tirada de filtro de plástico em formato de bolsa

Startup Água Camelo promove o acesso a uma fonte segura de água tratada para pessoas em situação de vulnerabilidade social Divugação

Rio de Janeiro

Finalista

  • Organização Água Camelo
  • Empreendedores João Piedrafita e Rodrigo Belli
  • Site https://aguacamelo.com.br/

Na casa dos designers Rodrigo Belli e João Manuel Piedrafita, ambos de 26 anos, nunca faltou água. Moradores da zona sul, eles estão a 30 km do Jardim Gramacho, bairro do antigo lixão de Duque de Caxias (RJ), onde Adriana Souza, 47, vive sem acesso à água potável em seu barraco com os filhos menores.

Essas realidades discrepantes fizeram o caminho dela cruzar com o dos jovens, cofundadores da Água Camelo.

Os empreendedores sociais Joao Piedrafita e Rodrigo Belli, cofundadores da Água Camelo, no Morro da Providência, no Rio de Janeiro (RJ) - Renato Stocker/Folhapress

A startup propicia acesso à água em favelas, no semiárido e na Amazônia por meio de uma solução simples e barata. O kit camelo, nada mais do que uma mochila com capacidade para filtrar e armazenar 15 litros de água, criada por Belli quando ainda cursava a faculdade de design.

Há três meses, Adriana recebeu a dela. Desde então, parou de beber direto o que vinha do carro pipa. "O gosto da água é diferente, é de água limpa."

A catadora é uma das 14.500 pessoas beneficiadas pela startup só no Rio. No Jardim Gramacho, primeiro lugar a receber as mochilas em dezembro de 2019, mais de 100 famílias bebem e cozinham com a água do filtro portátil pendurado na parede e facilmente carregado nas costas.

Adriana Dias Souza, 47, coleta água de filtro cedido pela Água Camelo. Ela mora há 18 anos no Jardim Gramacho, bairro que enfrenta problemas de fornecimento de água de qualidade - Renato Stockler/Folhapress

Além da Baixada Fluminense, a solução de baixo custo oferecida pela startup está presente em 12 estados, do semiárido à Amazônia.

Fundada em agosto de 2020, a Água Camelo surgiu a partir de uma provocação em sala de aula, ainda em 2018, quando Belli e Piedrafita eram alunos de desenho industrial na PUC-Rio. A ideia era pensar o design participativo e social.

"A proposta é que, a partir da combinação da vivência pessoal e do que é o mundo concreto, o aluno faça uma leitura do espaço e das pessoas com quem ele está convivendo. E aí possa contribuir na construção de algo que seja útil", explica o professor Mário Seixas.

A princípio, o projeto seria apenas para a disciplina da universidade. Na pesquisa, Belli se viu diante da realidade calamitosa dos cerca de 35 milhões de brasileiros que não têm acesso à água tratada, segundo dados do Instituto Trata Brasil.

A saída pensada por ele foi um objeto capaz de transportar, armazenar e purificar a água. Uma solução baseada no conceito "plug and play", isto é, fácil de usar e com impacto imediato.

Chegar ao produto final, no entanto, foi uma maratona para além do campus.

"O design mais simples muitas vezes é o mais complexo", diz Belli. "Nosso trabalho era refinar a ferramenta para ela se encaixar melhor na vida das pessoas."

Foram várias tentativas e erros. Belli conta, por exemplo, que inicialmente o kit teria capacidade de 25 litros, mas ficava muito pesado para carregar. Chegaram, então, ao tamanho atual de 15.

Belli e Piedrafita são amigos de infância e se reencontraram na universidade, junto com o terceiro fundador da startup, Daniel Ilg.

A personalidade complementar dos três contribui para o funcionamento da Água Camelo. Seguindo a filosofia aprendida nas aulas, o que cada um viveu antes de fundar a startup serviu como base para o trabalho atual.

Belli era skatista profissional de downhill e chegou a competir em mundiais da categoria. O esporte, diz ele, o ajudou a ver os erros não como obstáculos, mas como uma forma de chegar aos acertos.

E foi assim que conseguiu as doações das primeiras peças para fazer o protótipo.

Já Piedrafita aprendeu no berço a riqueza do contato com realidades diferentes. Nascido no Acre e filho de antropólogo Marcelo Piedrafita Iglesias e da economista Bia Saldanha, especialista em extração sustentável da borracha, ele passou parte da infância entre o Rio e a Amazônia.

Tinha apenas dois meses, quando foi com os pais pela primeira vez à aldeia Mutum, na terra indígena Yawanawá no Acre.

"Eu vivi essa questão da água desde pequeno em todas minhas idas para as terras indígenas." Piedrafita explica que, embora a Amazônia seja a maior bacia hidrográfica do mundo, acesso à água potável é um problema disseminado.

Foi a relação do sócio da Água Camelo com a floresta que levou a startup a dar mais um passo em sua história.

No final de 2021, os kits começaram a ser distribuição a comunidades indígenas do Acre. A primeira foi justamente a aldeia Mutum, onde desembarcam com um piloto.

Nunca deu para fugir da floresta. Até quando eu não sabia muito bem o que fazer da minha vida, eu sabia que acabaria na Amazônia de alguma forma

João Piedrafita

Cofundador da Água Camelo

Tanto a mochila quanto a central de distribuição da Água Camelo filtram até 99,9% das bactérias, protozoários e partículas em suspensão. E a manutenção é feita pelos usuários.

"Na Amazônia, temos só duas estações: uma com e outra sem chuva. Nos seis meses de chuvas, enxurradas trazem doenças na água. Então o sistema da Água Camelo diminuiu diarreia e verminose na aldeia. No passado, perdemos crianças e velhos por isso", Joaquim Yawanawá, presidente da Associação Sociocultural Yawanawá.

Impactos que fizeram a solução da Água Camelo chegar a mais 13 aldeias do Rio Gregório.

A startup também fez parte dos esforços para atender ao povo ianomâmi durante a crise humanitária enfrentada pelos indígenas e que veio à tona no início deste ano.

Dois meninos indígenas interagem com filtro de água
Desde 2020, a startup ajudou a garantir o acesso à água de qualidade para mais de 12 mil pessoas em 10 estados, de favelas a ianomâmis - Divulgação

"Com essa história de ir com a mochila entre comunidades que estão longe da bênção que é a água, eles encarnam uma espécie de anjos da guarda da floresta", diz o líder indígena e escritor Ailton Krenak, padrinho de Piedrafita.

Os sócios da Água Camelo encaram a questão do acesso à água de qualidade para além da filantropia.

Focando em um modelo de negócio sustentável a longo prazo, eles vendem os kits a empresas que bancam os projetos voltadas para populações vulneráveis afetadas por desabastecimento.

"A gente nunca cobra das pessoas das comunidades, mas de quem tem dinheiro para pagar e precisa ajudar na universalização da água tratada", explica Belli.

Água Camelo em números

  • 200 mil pessoas foram beneficiadas pelos "kits camelo" (mochila) e pela central de filtragem da iniciativa; mais de 20 mil pessoas são impactadas diariamente
  • 11 estados do Brasil receberam 1.000 kits distribuídos em centros comunitários e residências
  • Fim da diarreia foi registrada após instalação do kit em aldeia no Acre onde 96% de famílias sofriam com o mal
  • 80% dos kits foram instalados em casas chefiadas por mulheres negras e em condições de vulnerabilidade
  • 120 comunidades indígenas foram atendidas pela iniciativa, que atuou com parceiros na emergência humanitária dos ianomâmis

Conheça os demais finalistas na plataforma Folha Social+. Vote e, se possível, doe para esta iniciativa na Escolha do Leitor até 20 de outubro em folha.com/escolhadoleitor2023.

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