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Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

Sem regras, só exceções

Perenizar a desoneração da folha cristaliza distorções tributárias

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No dia 15, parecer da Câmara dos Deputados estabeleceu entendimento de que a prorrogação do atual modelo de desoneração da folha de pagamentos é constitucional.

Pelo argumento do governo, a prorrogação de uma isenção tributária, que teria data-limite para seu fim, corresponde à criação de uma nova desoneração em termos práticos, sendo, assim, vedada pela reforma da Previdência, aprovada em 2019. Já pelo argumento do parecer, prorrogações de benefícios existentes não se enquadram na vedação.

Legalidades à parte, é inquestionável que a prorrogação da desoneração da folha tem impactos fiscais concretos, e, em tempos em que o governo conta centavos para expandir a rede de proteção social, qualquer “novo” destino de recursos públicos merece justisficativa econômica inequívoca, discussão que é muito mais relevante que seu mérito constitucional.

Em particular, causa preocupação o entendimento de que o legislador pode perenizar regras temporárias estabelecidas antes da reforma da Previdência. Essa leitura cria precedente perigoso. Se qualquer alternativa ao modelo atual é de implementação mais custosa que o status quo, caímos na armadilha de cristalizar políticas públicas que vêm se mostrando pouco eficazes, como indica ser o caso.

A desoneração da folha de pagamentos foi política instituída em 2011, abarcando inicialmente apenas três setores da economia, mas sendo rapidamente expandida para 56 setores, alcançando R$ 25 bilhões em renúncias fiscais em 2015.

Como seu impacto fiscal foi crescente ao longo do tempo, essas desonerações passaram por sucessivas reformulações, com aumento das alíquotas na arrecadação alternativa ao imposto sobre a folha e no número de setores cobertos pela desoneração. Hoje, apenas 17 setores são contemplados, ao custo fiscal de R$ 10 bilhões.

Assim, a atual desoneração não se aplica de forma geral e equânime, e cabe questionamento sobre os motivos pelos quais apenas alguns setores, e os trabalhadores neles inseridos, são merecedores de tratamento especial.

Enquanto o lobby dos setores argumenta que a desoneração atinge 6 milhões de empregos diretos e que 1 milhão de pessoas podem perder seus empregos, a crise econômica já reduziu a população ocupada em mais de 7 milhões.

O mais recente relatório disponibilizado pela Receita Federal indica que em 2017 apenas 35 mil empresas foram beneficiárias da isenção de impostos na folha, dentre cerca de mais de 3 milhões de empresas que declararam ter vínculos empregatícios também em 2017.

Claro, são empresas intensivas em mão de obra. Mas ainda assim abraçam só 20% dos vínculos de emprego no setor formal. Continuam fora os outros 80% dos trabalhadores da economia com carteira assinada.

Também cabe notar que a desoneração da folha foi acompanhada por uma oneração de processo. Sua implementação tornou necessária a criação de um novo tributo, a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta, que sobrecarrega nosso já extenso sistema tributário, adicionando mais complexidade e regressividade a ele.

É claro que, se comparado às inúmeras outras desonerações existentes, como a Zona Franca de Manaus e o Simples, com seus R$ 24 bilhões e R$ 87 bilhões de exceções tributárias —ambas com impactos econômicos bastante duvidosos—, o montante parece pequeno. Mas perenizar a desoneração atual, tal qual vem sendo implementada, não vem sem custos: cristaliza distorções tributárias e altera a alocação produtiva de empresas e trabalhadores na nossa economia.

Se as opções agora postas à mesa do Congresso são apenas duas —manter ou eliminar a atual política de desoneração da folha de pagamentos—, não parece correto continuar a perpetuar exceções. ​

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