Siga a folha

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

Stacey Abrams perdeu eleição na Geórgia, mas já transformou o estado americano

Derrota para Brian Kemp não é o fim da história da democrata; o que ela deu ao país foi muito maior que qualquer disputa

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

The New York Times

Como conta a Bíblia, Moisés liberta seu povo da escravidão para ir à "terra prometida", mas, mesmo com todos os seus esforços, ele não tem permissão para entrar e precisa contemplá-la à distância.

Temo que essa seja a história de Stacey Abrams. Ela construiu a enorme máquina de registro e participação de eleitores que ajudou Joe Biden a conquistar a Geórgia em 2020 e ajudou o estado a eleger seus primeiros senadores judeu e negro, Jon Ossoff e Raphael Warnock, dando aos democratas o controle do Senado. Se Warnock vencer seu segundo turno no próximo mês, ela terá ajudado os democratas a fortalecer seu controle da Casa.

Seria fácil ser cínico aqui e dizer que uma mulher fez o trabalho e agora um homem está se beneficiando disso, mais uma vez. Mas isso obscurece o fato de que o que Abrams deu à Geórgia e ao país foi muito maior que qualquer disputa, inclusive a dela.

Candidata democrata derrotada na disputa pelo governo da Geórgia, Stacey Abrams discursa em reunião partidária durante eleições de meio mandato, em Atlanta, nos EUA - Jessica McGowan - 8.nov.22/Getty Images/via AFP

A Geórgia é um estado transformado. Os progressistas locais provaram o poder, e não há como voltar atrás. Não é mais uma possibilidade fantástica, uma esperança e uma oração entre pessoas prisioneiras de sua desvantagem numérica. A Geórgia agora tem a prova e a validação de que não só poderia ser virada, como foi virada.

Grande parte do crédito pertence a Abrams. Então o que deu errado? Eu gostaria de ter uma resposta abrangente e poder articulá-la brevemente, mas não tenho e não posso.

Tudo o que sei é que toda vez que perguntava às pessoas sobre as chances dela neste ciclo, elas objetavam, reviravam os olhos ou respondiam com um incrédulo e preocupado "não sei".

Na verdade, "preocupado" foi uma palavra que ouvi com muita frequência. Parecia-me contagiante e autoperpetuante: as pessoas ficavam preocupadas porque os outros diziam que estavam preocupados.

Eu simplesmente não conseguia encontrar eleitores entusiasmados por Abrams em minhas interações cotidianas. Eu moro no centro de Atlanta, mas também não estava vendo muitas placas em quintais ou cartazes nas janelas. Não estava vendo muitos anúncios de TV.

Imaginei que meu consumo de notícias havia se tornado o de muitos jovens: eu assistia principalmente a notícias nacionais ou recebia notícias online, inclusive nas redes sociais. Então voltei para meu eu mais jovem e comecei a assistir mais notícias locais e a ouvir mais rádio. Lá estavam os anúncios!

Ainda assim, para mim, isso era um problema. Se eu tive que procurar os anúncios dela, muitas pessoas —e muitas mais jovens que eu— simplesmente não os estavam ouvindo. Isso me desconcertou. Esse era o momento dela, quando deveria colher os frutos de seu trabalho, mas, em vez disso, foi a preocupação que amadureceu.

Em setembro, deixei claro para a campanha que gostaria de entrevistar Abrams para esta coluna, mas eles não disponibilizaram um tempo para isso. Tudo bem. O tempo de uma candidata é precioso. Ainda assim, eu queria saber da própria Abrams por que o fogo não pegou. Ela era claramente a melhor candidata. Tinha conhecimento enciclopédico das questões. E uma mensagem que deveria ter energizado os progressistas.

Mas ela simplesmente não conseguiu tração suficiente. Sua mensagem não teve ímpeto.

Isso ocorreu em parte porque seu adversário, o governador Brian Kemp, esforçou-se para parecer mais moderado do que o partido e do que realmente é.

Primeiro, ele se apoiou no fato de que havia resistido aos esforços de Donald Trump para derrubar os resultados na Geórgia em 2020. As pessoas lembravam disso. Não que Kemp fosse pró-democracia e pró-voto –ele assinou a lei de supressão de eleitores que sua legislatura liderada pelos republicanos aprovou após a eleição de 2020–, mas ser pró-democracia naquele momento em que a transferência de poder pendia na balança causou uma impressão duradoura.

Kemp era um lobo em pele de cordeiro, mas seu traje era impecavelmente feito sob medida. Tanto que em um ponto durante a campanha o rapper e organizador Killer Mike, de Atlanta, elogiou Kemp por "conduzir uma campanha eficaz" e alcançar os eleitores negros, sugerindo que Abrams fosse "a todos os lugares aonde Kemp acabara de ir".

Isso dificultou ainda mais os esforços de Abrams para destacar o extremismo de Kemp. As pessoas começaram a chegar à falsa conclusão de que ele "não era tão ruim assim".

Também foi benéfico o fato de, poucos meses antes da eleição, ele ter lançado um programa de pagamentos em dinheiro de US$ 350 para pessoas de baixa renda. Não era exatamente dinheiro por votos, mas dinheiro para mitigar a raiva. Kemp pagou pela tranquilidade.

Tudo isso prejudicou Abrams. Mas tenho certeza de que esse não é o fim de sua história. Ela é relativamente jovem [48 anos], incrivelmente inteligente e uma estrategista brilhante. Tem um futuro que só ela pode escrever. Mas uma coisa é clara: ela tornou possível para a população da Geórgia, muitos deles negros, entrar numa realidade onde o poder do Estado é alcançável e acessível.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas