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Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

O amor nestes tempos de ira

Ele, judeu, ela, árabe, casam escondidos em Israel

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Lucy Aharish e Tsahi Halevi posam para foto em seu casamento em Hadera, em Israel, na última quinta-feira (11) - Meggie Vilensky -11.out.18/Reuters

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Para você que, como eu, está farto desse tsunami de ódio que assola a pátria, ofereço hoje um pequeno oásis, na forma de uma história de amor. Mas não se entusiasme muito: até o amor é hostilizado pelo racismo, que é um alimento básico para o ódio.

A história de amor que vou contar foi colhida no Times of Israel, excelente jornal eletrônico. Excelente não apenas pela qualidade do noticiário como pelo fato de que defende firmemente o Estado judeu, mas nem por isso deixa de criticar ações do governo que considera incorretas.

Ou seja, não é preciso ser antissemita ou antissionista para criticar eventualmente políticas do Estado de Israel, ao contrário do que acredita crescente parcela da comunidade judaica, inclusive no Brasil.

Adiante com a história de amor: na quarta (10), casaram-se Lucy Aharish, 37 anos, e Tsahi Halevi, 43. Ela é árabe-israelense, o que não a impediu de se tornar a primeira apresentadora árabe no horário nobre da TV israelense. Atualmente, está no Reshet 13, canal privado. Como é óbvio, apresenta o noticiário em hebraico.

Há três anos, Lucy foi escalada para acender uma tocha na cerimônia do Dia da Independência, tradicionalmente celebrada no Monte Herzl. Quem já esteve pelo menos uma vez em Israel sabe o imenso valor que os judeus dão a essa festa —símbolo de orgulho nacional.

Seu agora marido, o ator Tsahi Halevi, não por acaso tem uma história de cinema. Intepretou Naor na série israelense "Fauda" ("Caos", em árabe), sucesso também no exterior. Naor era integrante de uma brigada antiterrorista encravada nos territórios palestinos.

Tsahi desempenhou esse papel na vida real: em seus três anos de serviço nas IDFs (Forças de Defesa de Israel), serviu, entre outros postos, na chamada Unidade Duvdevan, encarregada de operações secretas em áreas urbanas, nas quais, muitas vezes, seus soldados usam roupas árabes como disfarce.

Era assim também na série "Fauda". Esses antecedentes serviram para mais de uma manifestação de repúdio ao casamento misto por parte de autoridades israelenses.

Oren Hazan, deputado do direitista Likud (com o qual Jair Bolsonaro se identifica), tuitou que Tsahi levara longe demais seu papel na série e estava "se islamizando".

Não satisfeito com essa bobagem (a unidade de que Naor-Tsahi fazia parte matava palestinos inocentes ou culpados), ainda acrescentou uma pitada explícita de racismo: "Não estou acusando Lucy Aharish de seduzir uma alma judia de forma a machucar nossa nação e evitar que mais descendentes de judeus continuem na linha judaica. Ao contrário, ela é convidada a converter-se".

Fechou com "basta de assimilação", ou seja, de integração entre árabes e judeus.

Na mesma linha, o ministro do Interior, Aryeh Deri, usou o casamento misto para dizer que "a assimilação está consumindo o povo judeu". E rogou praga até para as futuras crianças do casal, ao dizer que teriam "problemas sérios", a menos, é claro, que Lucy se convertesse ao judaísmo.

O casal devia estar ciente de que sua história de amor não seria um passeio no bosque, tanto que manteve em segredo o local do casamento. Que tempos os que vivemos em que o amor tem que se esconder e o ódio se mostra à luz do dia.

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