Árabe com sotaque é uma boa forma de definir a série israelense "Fauda", que tem suas duas temporadas de 12 episódios cada uma disponíveis na Netflix.
A plataforma de streaming percebeu a força da obra, lançada em Israel em 2015. Comprou-a em 2016, lançou a segunda temporada neste ano e bancou a terceira, em produção para estrear em 2019.
"Fauda" conta a história de um grupo de elite do Exército israelense que trabalha infiltrado na Cisjordânia.
O realismo brutal das cenas evoca a memória do primeiro "Tropa de Elite" (José Padilha, 2007) e decorre do fato de o protagonista Doron ser vivido por Lior Raz.
Um quarentão gorducho e envelhecido, Raz foi integrante de um esquadrão de infiltrados na vida real. Voltou ao tema pela ficção, enquanto na série Doron é tirado de sua aposentadoria pelo dever.
Além disso, Raz e o jornalista Avi Issacharoff, especialista em segurança, são os criadores do programa.
A verossimilhança impressiona quem tem familiaridade com a região. Obviamente, como no filme brasileiro, a exposição crua de violência sancionada pelo Estado foi atacada por críticos como algum tipo de elogio estético do fascismo das ações.
É um ponto de vista, mas simplificador. Assim como o fato de ele ter sido ridicularizado na Palestina porque o árabe dos infiltrados tem sotaque israelense.
Para o público externo, após décadas ouvindo gente do mundo todo falar inglês "de russo", "de alemão", de "latino", é irrelevante.
Na primeira temporada, há um esforço claro em mostrar para o público (israelense na origem, é bom lembrar) uma realidade que está lá, atrás do muro que separa Israel dos palestinos sob ocupação.
Mas é um trabalho produzido por autores que viveram na pele a experiência de um lado do conflito. É óbvio que isso torna o relato enviesado —palestinos têm nuances, mas não são protagonistas ou donos da narrativa.
Por fim, trata-se de uma série dramática de ação, de resto espetacular e viciante, ainda que agressiva.
Exigir um sumário completo da relação israelo-palestina, sobre a qual cada vírgula escrita inspira uma polêmica, é descabido.
O que interessa lá é o assalto aos sentidos e a visão apresentada. Naturalmente, o pedágio é a falta de contextualização.
A segunda temporada dilui a fórmula e troca uma trama realista pela fantasia política de ver o grupo terrorista Estado Islâmico tentar ocupar espaço do Hamas palestino.
O enredo é algo delirante e transforma Doron, personagem com muitas camadas de sofrimento a explorar, em uma espécie de Bruce Willis em "Duro de Matar".
O vilão Al Makdasi, se é que alguém pode ser chamado de mocinho em "Fauda" (palavra que significa caos e é a senha dos militares para pedir socorro), perde muito na comparação com o nêmesis de Doron na primeira temporada, o militante do Hamas Abu Ahmad.
Por outro lado, "Fauda" cede espaço ao brilho de Itzik Cohen, que vive o capitão Eyov, chefe de Doron.
Cohen também fala árabe com sotaque, mas perto do que ele está disposto a fazer de forma quase autômata, transparecendo um cinismo que dificulta a vida de qualquer apologista de Israel, a pronúncia é mero detalhe.
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