Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Quando o ódio sepulta a paz

Fui um dos ingênuos que se entusiasmaram com os acordos de Oslo entre israelenses e palestinos

CLÓVIS ROSSI É REPÓRTER ESPECIAL E MEMBRO DO CONS
São Paulo

Confesso: fui um dos ingênuos que se entusiasmaram com os Acordos de Oslo entre israelenses e palestinos, que completaram 25 anos na semana que passou. 

O então líder da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, gesticula para o então primeiro-ministro de Israel,  Yitzhak Rabin, enquanto os dois são observados pelo presidente dos EUA, Bill Clinton, na assinatura do acordo de paz entre israelenses e palestinos, em 13 de setembro de 1993.
O então líder da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, gesticula para o então primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, enquanto os dois são observados pelo presidente dos EUA, Bill Clinton, na assinatura do acordo de paz entre israelenses e palestinos, em 13 de setembro de 1993. - Gary Hershorn/REUTERS


Acreditava piamente que pavimentariam o caminho para a paz naquele pedacinho de mundo que, paradoxalmente, concentra as três religiões que, em tese, pregam a paz e uma insuportável quantidade de sangue derramado.

Meu entusiasmo decorreu nem tanto dos termos do acordo em si. Tinha idade suficiente para saber que mesmo as mais belas palavras e intenções podem virar fumaça ou serem distorcidas.

O que me animou foi ter sido testemunha ocular de um encontro até então impensável entre um rabino (no caso, Henry Sobel, à época da Congregação Israelita Paulista) e o mais importante líder palestino, Yasser Arafat (aliás, um dos signatários dos Acordos de Oslo).


Sobel, que estava em Jerusalém para um congresso, me convidou (e a três outros jornalistas) para acompanhá-lo a uma audiência com Arafat. Foi em 1994, dias depois da eleição para a Autoridade Palestina, um dos raríssimos pleitos no mundo muçulmano que a comunidade internacional carimbou com as palavrinhas mágicas "livre" e "justo".


Ao final da audiência, Sobel perguntou ao líder palestino se ele aceitaria recitar um salmo. Arafat concordou e o rabino leu em hebraico o salmo 37, que termina assim: "Os maldosos perecerão/ Mas aqueles que servem o Senhor herdarão a Terra/ E se deliciarão na abundância de paz".

Pena que, nos 24 anos seguintes, tudo o que abundou na região foi o ódio, que sufocou por inteiro a paz.

Por falar em ódio e na falta de paz, terminei faz pouco de ver a série israelense "Fauda" ("Caos", em árabe).

É a história de uma unidade de contraterrorismo israelense encravada em território palestino. Por extensão, é também a história dos terroristas/ativistas que a unidade persegue.

Pareceu-me uma aproximação muito fiel à realidade, sensação confirmada por quem vive em Israel e conhece bastante bem o conflito. Juan Carlos Sanz, correspondente de El País, escreveu faz pouco sobre Fauda: "A arte se limita a imitar a realidade".

Qual é a realidade? "Ambas as partes são igualmente responsáveis pela violência", escreve Sanz.
O mais dramático, na realidade como na ficção, é que os dois lados têm razões para acumular ódio um contra o outro. Os israelenses, é lógico, pelos atentados terroristas praticados por palestinos.

Não justifico o ódio, mas entendo: uma vez, cheguei pouco depois de um atentado em pleno mercado Mahane Yehuda, um dos mais movimentados de Jerusalém. Ainda vi os legistas recolhendo pedaços de corpos despedaçados, alguns deles junto a tomates esmagados pela explosão.

Quem é que não sentiria ódio ao ver membros de sua comunidade atingidos dessa forma?

No caso dos palestinos, a série mostra como não só os suspeitos de terrorismo, mas também seus familiares (mulheres, mães, filhos) são perseguidos, eventualmente torturados e executados.
 

Itay Stern, crítico de TV do jornal Haaretz, escreveu que Fauda é a primeira série israelense que oferece também "uma narrativa palestina" - que obviamente é uma narrativa carregada de ódio.

É claro que há outros motivos para o fracasso de Oslo, mas o ódio acumulado talvez pese mais. É uma pena.

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