Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Nacionalismo faz mal a Israel

Projeto que define país como Estado-nação do povo judeu causa cisão dispensável entre os próprios judeus

Participantes de protesto contra lei que define Israel como 'Estado-nação do povo judeu' vistas através de banner com o premiê Binyamin Netanyahu, em Tel Aviv
Participantes de protesto contra lei que define Israel como 'Estado-nação do povo judeu' vistas através de banner com o premiê Binyamin Netanyahu, em Tel Aviv - Oded Balilty - 30.jul.18/Associated Press

A Organização Mundial da Saúde bem que poderia propor, mundo afora, uma campanha para demonstrar que nacionalismo, quando excessivo, faz mal à saúde de um país e, pior, é contagioso.

O caso mais recente é o de Israel: a aprovação, no dia 19 de julho, de um projeto de lei que define Israel como “Estado-nação do povo judeu” causou uma cisão dispensável entre os próprios judeus.

Dispensável porque nenhum judeu que esteja de posse de suas faculdades mentais tem a mais remota dúvida de que Israel é, desde sua criação, faz 70 anos, o Estado dos judeus. Basta olhar para a bandeira de Israel, com sua estrela de David no centro, para confirmar o que todo o mundo sabe.

A nova lei não vai mudar um centímetro a mentalidade de alguns idiotas antissemitas ou antissionistas e de uma parte significativa do mundo árabe, que preferem desconhecer a realidade e querem jogar os judeus no mar. Ao contrário, a lei só dá argumentos para ver racismo no comportamento do governo israelense, o mais nacionalista e reacionário da história.

Basta ver a reação de judeus de destaque, como a líder do partido Meretz, de centro-esquerda, Tamar Zandberg, para quem a lei “é um ato de sabotagem contra a legislação israelense, ao substituir igualdade por racismo”.

É uma alusão ao fato de que a lei do “Estado-nação do povo judeu” violenta a Declaração de Independência de Israel, que, à falta de uma Constituição codificada, representa uma espécie de lei maior no país.

Essa colisão frontal foi relembrada por outro judeu destacado, David Horovitz, editor-chefe do site The Times of Israel, jornalista que sempre defende o país e seus princípios básicos, o que não o impede de criticar o governo quando acha que viola regras essenciais.

Horovitz puxou declaração de Tzipi Livni, que já foi do Likud, o partido ultradireitista de que o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, é o atual líder, na qual a ex-deputada lembra que a Declaração de Independência promete “completa igualdade de direitos políticos e sociais para todos os habitantes, independentemente de religião, raça ou sexo”.

A nova lei, ao contrário, transforma em cidadãos de segunda classe os árabes (20% dos 8,6 milhões de habitantes de Israel), os drusos (2%) e os católicos (2%).

Até a Igreja Católica, que pouco se pronuncia em Israel, emitiu comunicado em que chama a nova lei de discriminatória e diz que viola a legislação não só israelense mas também internacional.

Outro comunicado partiu de mais de 180 intelectuais, a maioria judeus, entre eles nomes de prestígio internacional como Amos Oz, David Grossman e Etgar Keret. Dizem que a nova lei é um “severo golpe aos valores de igualdade e de mútua responsabilidade nos quais se baseia a sociedade israelense e dos quais deriva sua força”.

O racha ficará mais explícito no sábado (4), dia para o qual foi convocada marcha de protesto em Tel Aviv.

Com o conflito com os palestinos permanentemente latejando, tudo o que Israel deveria dispensar é esse mergulho nas águas do nacionalismo, soberanismo e tribalismo.

Mas, depois de Trump e sua “América Primeiro”, a onda vai pegando. Não parece que “Israel Primeiro” seja melhor do que o país dos judeus que já existia antes.

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