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Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Há algo a aprender do pleito americano

Uma das lições: a retórica agressiva nem sempre vence

O presidente dos EUA, Donald Trump, participa de entrevista coletiva na Casa Branca nesta quarta-feira (8) - Hu Yousong/Xinhua

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Parte da mídia internacional costuma tratar Jair Bolsonaro como uma espécie de Donald Trump tropical. De minha parte, vejo mais diferenças do que semelhanças, a começar pela formação de cada um deles:

Trump é bacharel em Economia pela Universidade da Pensilvânia, enquanto Bolsonaro admite não entender uma vírgula do assunto. Não tem formação universitária nem chegou a completar os cursos típicos da carreira militar.

Outra diferença essencial: Trump é um bem sucedido homem de negócios, ao passo que Bolsonaro não administrou nem sequer uma barraquinha de açaí.

É óbvio, portanto, que o kit mental e cultural de cada um é necessariamente diferente.

Feita a ressalva, o fato de que Bolsonaro confesse incontida admiração por Trump permite tentar ver se há lições que se apliquem ao Brasil do resultado das eleições legislativas desta terça (6) nos EUA.

Sempre cabe a observação obrigatória de que são dois países com poucos laços de parentesco entre si.

Mas ambos viveram processos eleitorais em uma situação talvez inédita de ira e de divisões profundas na sociedade.

A derrota de Trump no pleito para a Câmara e sua vitória na outra Casa do Congresso indicam que a divisão se manteve. Mas o fato de os democratas terem conseguido recuperar a maioria na Câmara mostra que "o desdém de Trump por aqueles que não votaram nele transformou-se em estratégia desastrosa", escreveu Jonathan Bernstein, da Bloomberg.

Vale tanto para Bolsonaro e sua ira contra os "vermelhos", como se ainda existissem como para os seus opositores que tratam os votantes do agora presidente eleito como criminosos em potencial.

Ambas as atitudes bloqueiam a construção de um diálogo indispensável para o Brasil começar a curar as feridas abertas pela polarização dos anos mais recentes.

Parece claro, no caso da eleição americana, que a retórica agressiva e, não raro, ofensiva aos adversários reais ou supostos não funciona plenamente, nem mesmo em uma situação econômica confortável.

Se a economia não foi capaz de evitar a derrota do presidente na votação para a Câmara, é razoável supor que esse voto contrário é uma manifestação de repúdio ao "nós contra eles" que Trump estimulou. E que, aqui, vem desde os tempos dos governos do PT e foi ainda mais acirrado na campanha de Jair Bolsonaro.

Uma terceira aparente lição: as minorias que Trump despreza —e pelas quais Bolsonaro tampouco tem a menor simpatia— não voltarão a seus armários. Ao contrário, vão à luta eleitoral e ainda por cima ganham.

Casos, para citar apenas alguns exemplos, de Sharice Davids, lésbica e de origem indígena, eleita no Kansas, e de Rashida Tlaib (Michigan) e Ilhan Omar (Minnesota), as primeiras mulheres muçulmanas eleitas para o Congresso.

A vida, o mundo, o Brasil e os EUA são demasiado complexos para caber em esquemas simplórios, toscos, como os desenhados nos tuítes de Trump e nos comentários de Jair Bolsonaro nas redes sociais.

Não venha agora o presidente americano chamar de fake news a notícia de sua derrota parcial. Melhor seguir o general argentino Juan Domingo Perón, três vezes presidente, para quem "la realidad es la única verdad".

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior do texto afirmava que Jair Bolsonaro não tem formação universitária. Na verdade, o presidente eleito é formado pela Academia Militar das Agulhas Negras, cujo curso confere um diploma de nível superior.

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