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Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Esquerda burguesa ignora as complexidades das pessoas negras nas eleições

O candidato progressista teve o maior número de votos para presidente da história, 6 milhões à frente do outro

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Na última semana, fui procurada por jornalistas de diversos países para dar entrevistas sobre as eleições no Brasil. Profissionais de Estados Unidos, Alemanha, França e Argentina me contataram para que eu contribuísse com uma explicação sobre o resultado do primeiro turno, mas principalmente para que eu respondesse sobre a razão pela qual mulheres, pessoas negras e pobres votaram em Bolsonaro.

Para boa parte da imprensa estrangeira, Bolsonaro representa o atraso em políticas, a violência e a devastação do ambiente. Ao me contatarem, jornalistas manifestaram surpresa em ver como um político dessa orientação tão repulsiva poderia contar com os votos da população mais prejudicada por esse projeto.

Tenho certo que a dúvida desses profissionais é um dilema das pessoas que residem aqui no Brasil. Essa impressão está baseada em uma visão rasa, pois, ao olharmos dados de perfil de eleitores, temos que foram justamente essas pessoas que garantiram a dianteira de Lula —e por que não dizer que evitaram o que seria a tragédia da vitória de Bolsonaro no primeiro turno e probabilizam sua derrota neste segundo turno?

Mas, antes de adentrar nos diversos cernes dessa questão, fico me perguntando ainda sobre a arrogância estrangeira em apontar para o Brasil com toda essa surpresa. Ora, fico me perguntando qual a surpresa de a extrema direita contar com apoio das camadas menos favorecidas da sociedade em um mundo em que Trump foi eleito e segue como candidato presidenciável; e em que a Europa assiste há tempos ao levante da extrema direita —também destacável na América do Sul.

Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro - Aline Bispo

Dito isso, afirmar não entender como as pessoas no Brasil estão incapazes de enxergar a má-fé do candidato presidencial é um protesto tolo, sobretudo quando é preciso olhar as realidades dos próprios países. Mas a verdade é que essa arrogância estrangeira dá as mãos à arrogância nacional, que essencializa (principalmente) as pessoas negras. Essencializar, neste caso, é crer que pessoas negras, porque são negras, são de esquerda e votam no Lula.

Friso que é por causa dos grupos minoritários que a eleição segue em curso, portanto há uma percepção crítica dos projetos políticos em disputa. Mas, diante do choque essencialista, o óbvio precisa ser dito. O ser humano é complexo e atravessado por múltiplas identidades. Política de identidade é diferente de identidade política. Um homem pode ser negro e misógino e se identificar com o ódio às mulheres. Pode ser pobre e homofóbico. Pode ser negro e detestar pautas defendidas pela esquerda institucional. Da mesma forma, uma pessoa pode ser branca e antirracista.

E vamos além. Em razão de a pessoa viver em territórios vulneráveis socialmente, seu contato com os projetos políticos pode ocorrer de uma forma totalmente inesperada por parte da esquerda burguesa. A pessoa pode não ler um único post de Instagram que a faça refletir sobre os retrocessos do governo atual, mas estar todo final de semana em um espaço que a acolhe e a enxerga como membro de uma comunidade. As igrejas, por exemplo, cumprem esse papel. Tudo isso aliado à disseminação das fake news.

Junto dessa atuação de base para eleição de candidaturas por partidos reacionários, há um trabalho marcante de mobilização para votação em um curto espaço de tempo capaz de virar as previsões de cabeça para baixo e surpreender, como fizeram há quatro anos e na última semana.

Mas, depois que a parte progressista essencializa os indivíduos como grupos subalternizados, acaba por culpá-los pelo que entende ter sido uma votação expressiva de Bolsonaro.

Ao fazerem isso, essas pessoas choram lamúrias derrotistas, esperneiam em protesto e dizem que vão ao exílio por não aguentarem mais este país. É como se fossem gênios incompreendidos que desistem da árdua tarefa de levar a luz aos pobres carentes. Ignoram que há inúmeros movimentos sociais, como o negro, por exemplo, pautando e mobilizando.

Somente depois de certo constrangimento por perceberem que o mundo continuou a girar, acabam reconhecendo um avanço considerável nas eleições parlamentares. Deputadas negras e indígenas eleitas, bancada do Movimento Sem Terra, aumento de uma bancada diversa dos partidos progressistas.

E mais: constatam que o candidato progressista teve a maior votação para presidente da história e que está 6 milhões de votos à frente do outro. Reanimada, essa base se soma aos grupos que sempre estiveram a postos e seguem essa jornada fundamental à história do país.

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