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Descrição de chapéu

O estranho hábito de botar palavras na boca de um defunto ainda é recorrente

Tantas frases falsas são atribuídas a Einstein que me questiono se alguma vez ele disse, de fato, alguma coisa

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“Há décadas em que nada acontece. Há semanas em que décadas acontecem”, teria dito Lênin, a respeito da Revolução Russa. A primeira atribuição da frase a Lênin, no entanto, é de 1991, segundo o site Quote Investigator. Talvez Lênin tenha tido a cortesia de esperar o fim da União Soviética pra versar sobre ela. O mais provável é que o político George Galloway, o primeiro responsável pela confusão, tenha dado a frase de presente ao líder soviético.

Faz sentido. Se o guia de turismo, numa viagem ao Egito, dissesse “do alto dessas pirâmides, 40 séculos os contemplam”, você bocejaria de tédio e talvez escrevesse uma crítica negativa no Trip Advisor. Na boca de Napoleão, exortando uma tropa de soldados a combater uma horda de mercenários, a frase causa arrepios: “Como pôde alguém ser tão poético em cima de um cavalo?”.

Catarina Bessell

No livro “They Never Said It”, Paul F. Boller Jr. faz um compêndio de frases nunca ditas e tenta entender quando foi que a ficção virou fato. Afinal, como diria Lênin, “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade” —frase essa que Lênin nunca disse.

Einstein tampouco disse “sucesso é 1% inspiração e 99% transpiração”, como se fosse um coach motivacional. Tantas frases falsas são atribuídas a ele que chego a me perguntar se alguma vez Einstein disse, de fato, alguma coisa.

Churchill não fica pra trás. “Quem não é liberal aos 15 não tem coração, quem não é conservador aos 35 não tem cérebro”, teria dito Winston. Seu biógrafo Paul Addison garante que a frase é falsa por um motivo simples: Churchill era conservador aos 15 e liberal aos 35.

A frase mais famosa de Maquiavel, “os fins justificam os meios”, nunca foi dita por Maquiavel —assim como a famosa frase de Luís 14, “o Estado sou eu”, só seria atribuída ao rei Sol por Voltaire, um século mais tarde. A história se vingaria de Voltaire, que nunca disse “posso discordar do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. A frase só aparece pela primeira vez em 1906,
por sua biógrafa, que defendeu até a morte o direito do autor de dizer o que nunca disse.

Ao que parece, botar palavras na boca de defunto é um hábito antigo e deve perdurar. Muita coisa há de ser posta na boca dos nossos governantes. Resta saber como é que a ficção irá superar as bostas que o nosso presidente diz. Temo que, no futuro, nosso problema seja o contrário: em vez de gritar, como Paul F. Boller Jr., “ele não disse isso!”, berraremos, desesperados, “eu juro que ele disse isso!". "Eu estava lá.”

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