Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.
Cercado de problemas e generais, Bolsonaro baixa ainda mais o nível
Vulgaridade do ataque a repórter não é método, por autêntica, mas serve a interesse
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Alma mater do bolsonarismo, a Casa Branca de Donald Trump já viu seu ocupante xingar oponentes reais e imaginários de quase todas as formas.
A mídia americana discutiu à exaustão qual a melhor forma de lidar com o inédito da situação: apontando em voz alta cada barbarismo, sob risco de bater palma para doido dançar, ou simplesmente ignorá-los, perigando ver banalizado o mal intrínseco a eles. Não há resposta padrão.
Mas a inominável agressão de Jair Bolsonaro à repórter Patrícia Campos Mello, desta Folha, dando continuidade a uma sórdida campanha orquestrada por seu filho Eduardo e seguidores, é algo que nem mesmo os anestesiados EUA de Trump tiveram a oportunidade de assistir. Nunca se desceu tão baixo.
A má notícia é que ainda há alguns círculos infernais até as bocarras de Lúcifer. A vulgaridade de Bolsonaro não é um método em si, por autêntica, mas serve a finalidades específicas e nada indica que ele irá refreá-la. Não menos porque ela encontra ressonância parte mais dura de seus apoiadores.
Ao criar uma densa névoa sulfurosa com suas declarações, o presidente convenientemente desvia o foco do assunto que o estiver incomodando mais —no caso, a apuração da morte do miliciano Adriano da Nóbrega.
“Capitão Adriano”, enche o peito o também capitão Bolsonaro ao citar um homem a quem se atribuem inúmeros crimes, “um herói da polícia” a seu tempo. O presidente e seu filho mais enrolado com o personagem, o senador Flávio, entraram numa espiral descendente bastante perigosa ao abordar o tema.
Decidiram ir ao ataque, fazendo acusações sérias contra o governo baiano e tratando abertamente de um assunto do qual fugiram durante mais de um ano no poder. De repente, como cutucou meu colega Hélio Schwartsman, Bolsonaro parecia até um legalista.
Um bolsonarista raiz verá sinceridade da dupla e sua inocência, mas a realidade sugere mais uma tática diversionista.
E Adriano não é o único problema a espicaçar o presidente. Há a crescente insatisfação, no mercado e na rua, com a velocidade da melhoria econômica do país sob a ameaça do impacto do novo coronavírus. Há Paulo Guedes, que fala como um Bolsonaro que estudou em Chicago.
Há os rumores de que Rodrigo Maia terá de se entronizar no cargo, mudando a Constituição, se o governo quiser chegar ao final. Há 20 governadores abrindo uma guerra pública contra o presidente e até petroleiros em greve.
Com tudo isso, não é casual que sob a nuvem de odor acre exalada pelo presidente haja também uma concentração renovada de conjuntos de quatro estrelas sobre os ombros de ministros palacianos. Em sua aposta no isolamento, Bolsonaro cercou-se daqueles que considera anteparos seguros.
Ao longo de 2019, a ilusão fardada de que o presidente seria controlado esvaiu-se num sonho olavista. E agora? As Forças Armadas, Exército à frente, perderam a oportunidade que tiveram de se afastar do projeto bolsonarista de forma mais ou menos crível e toparam a volta por cima no Planalto. A arapuca se armou de novo.
Se o linguajar de Bolsonaro não é estranho aos quartéis, como certamente não é sua visão de mundo, generais idealizam um mundo de disciplina. Vão acompanhar o presidente na sua risadinha ao fazer insinuações baixas sobre Patrícia ou quem quer que seja o próximo alvo? Adoradores do decoro, cerrarão fileiras incondicionalmente em torno de alguém que o fere de forma ostensiva?
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