Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.
Em Israel, negociações buscam congelar disputas partidárias
Netanyahu e Gantz, depois de 11 meses de impasse, quebram barreiras políticas e tentam montar ministério
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Num primeiro momento, custei a acreditar no que lia. Gideon Levy, um dos mais ferozes críticos do establishment israelense e jornalista venerado por grupos esquerdistas, escreveu, no diário Haaretz: “O coronavírus demanda um governo funcional já, não intrigas políticas, discursos inflamados”.
O colunista defendeu um governo de união nacional, liderado por ninguém menos do que um de seus alvos políticos prediletos, o direitista Binyamin Netanyahu.
O exemplo israelense poderia ressoar pelo planeta. Montar governos de união nacional, com o mais amplo espectro político possível, deveria integrar cardápio de medidas emergenciais para o enfrentamento da pandemia.
Após receber uma saraivada de críticas, Levy argumentou sobre intrigas, discursos e protestos: “O tempo para eles virá”. E saiu em defesa do centrista Benny Gantz, líder oposicionista responsável por quebrar o impasse e aceitar a montagem de uma coalizão com o rival Netanyahu.
“Todos os outros temas –casos de corrupção, democracia e territórios– foram colocados de lado. Agora é o momento da epidemia, e de nada mais.”
Levy, um dos mais controversos personagens do intenso debate político israelense, delineou uma carga de pragmatismo valiosa no atual momento histórico. É hora de congelar querelas partidárias e construir ações e estratégias capazes de ultrapassar fronteiras ideológicas, a fim de enfrentar a pandemia.
Apoiado por um arco de forças de centro-esquerda, Gantz, a partir de 2019, conseguiu galvanizar o campo oposicionista. Arquitetou gigantesco desafio a Netanyahu, no poder desde 2009.
O desenho recente da disputa eleitoral, no entanto, mergulhou Israel na maior crise política da história. Foram três eleições em 11 meses, inconclusivas. Gantz e Netanyahu não conseguiram amealhar 61 cadeiras no Parlamento, patamar mínimo para formação de um governo.
A inevitável constatação: a sociedade israelense, do ponto de vista de votos, divide-se em dois campos rivais que guardam tamanhos similares. Em vez de caminhar para uma quarta e absurda eleição, destinada a repetir o empate, a saída apontava para um entendimento entre adversários.
Gantz rompeu a inércia, abandonou a promessa eleitoral de jamais se juntar a um ministério com Netanyahu e abriu uma rodada de penosas negociações, previstas para acomodar ideologias e perspectivas distintas. As circunstâncias, sem dúvida, impõem o esforço pelo diálogo.
Israel, ao longo de sua história, testemunhou diversos governos de união nacional. Um deles surgiu em 1967, quando da Guerra dos Seis Dias, contra Egito, Jordânia e Síria. O primeiro-ministro Levy Eshkol, socialista, contabilizava 75 das 120 cadeiras na Knesset (Parlamento), mas, devido ao cenário bélico, optou por trazer a oposição.
Partidos de direita aceitaram o convite. A maioria parlamentar saltou para 111. Governos de união nacional, com diferentes desenhos, sobreviveram até 1970, quando retornou o cenário tradicional da polarização entre esquerda e direita.
Em 1984, os dois principais partidos à época, o Trabalhista e o Likud (direita), incapazes de montar coalizões majoritárias, entraram num acordo que previu a alternância no poder. Nos primeiros dois anos do mandato, o socialista Shimon Peres encabeçou o governo, função exercida, no biênio seguinte, pelo direitista Yitzhak Shamir.
Netanyahu e Gantz devem seguir o modelo da alternância no poder. De rivais a parceiros, na montagem de um governo arquitetado para diluir o impasse político, congelar contendas partidárias e concentrar forças no combate à pandemia.
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