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Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Internet e redes sociais: da utopia ao pesadelo

Ao contrário do sonhado, a vida online nos deixou mais briguentos e alimentou o ódio a identidades políticas diferentes

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Acho que foi em fins dos anos 90. Um artigo numa revista semanal trazia a seguinte previsão: com o advento da internet, a rede mundial de computadores, a informação tornava-se mais abundante e acessível. Com acesso instantâneo a tanta informação, divergências seriam cada vez mais rapidamente sanadas.

Eu e você discordamos sobre uma política? Ora, é só checar os dados de sua aplicação aqui e em outros lugares. Com cada vez mais dados disponíveis, as opiniões tenderiam a convergir. Algo inquietou meu coração adolescente naquela visão de futuro, tanto que lembro dela até hoje. Então era assim que a liberdade morreria?

Essa foi só uma dentre tantas utopias que visionários da tecnologia projetaram. Talvez o documento mais simbólico do entusiasmo digital tenha sido a publicação em 1996 de "Uma Declaração de Independência do Ciberespaço", do americano John Perry Barlow, fundador da Electronic Frontier Foundation.

Facebook, agora Meta, que deve investir no "metaverso" nos próximos anos - AFP

"Estamos criando um mundo em que todos podem entrar sem privilégios ou preconceitos atribuídos a raça, poder econômico, força militar ou nascimento. Estamos criando um mundo onde qualquer um, em qualquer lugar pode expressar suas crenças, não importa quão singulares, sem medo de ser coagido ao silêncio ou à conformidade."

O sonho da ágora global, da completa liberdade que levaria à colaboração universal, era muito forte. E conheceu várias versões. Mais recentemente, as redes sociais engendraram uma nova rodada de utopismo.

Clay Shirky, entusiasta das redes, viu nelas a ferramenta para cooperação global que derrotaria o autoritarismo e acabaria com o monopólio do conhecimento, conforme argumentou em "Lá vem todo mundo: O poder de organizar sem organizações" (publicado originalmente em 2008).

Esse otimismo progressista encontrava seus motivos: as redes foram centrais na campanha vitoriosa de Obama; e foram decisivas para a mobilização de jovens no Egito na "primavera árabe". Jovens, democracia, redes, poder; como poderia dar errado?

Mas deu. Hoje em dia, os únicos que ainda insistem no caráter colaborativo e construtivo das redes sociais são seus proprietários. Disse Mark Zuckerberg em sua carta pública de 2021: "Em nosso DNA, construímos tecnologia para juntar pessoas. O metaverso é a próxima fronteira em conectar pessoas, assim como foi a rede social quando começamos".

O futuro próximo dirá se "metaverso" envelhecerá tão bem quanto "ciberespaço", mas o presente já nos mostra que as redes se mostraram excelentes para fustigar e até derrubar tudo o que aí está —qualquer coisa identificada como "o sistema", toda forma de processo institucional— mas péssimas em promover consenso e colaboração em larga escala.

Ao contrário das utopias sonhadas, a vida online nos deixou mais briguentos, aumentou nossas divergências, alimentou o ódio a identidades políticas diferentes e tem até limitado nossa liberdade de expressão.

Dados e fatos, justamente por serem tantos e tão desencontrados, nos afogam. Não é que o homem busque dados e, com base neles, confirme ou corrija suas crenças. Cada um de nós seleciona os dados mais convenientes para reforçar suas próprias narrativas explicativas da realidade. Quanto mais dados disponíveis, mais fácil fica esse trabalho.

Caminhamos para a divergência final, que abre mão dos meios democráticos e só pode ser resolvida com a violência. Meu coração já adulto continua inquieto: então é assim que a liberdade morrerá?

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