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Economista, mestre em filosofia pela USP.

Descrição de chapéu violência

Polarização atrasou a justiça para Marielle

Guerra política brasileira teve um papel nefasto na demora para avanços no caso

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Estamos de alma lavada com a descoberta dos mandantes da morte de Marielle Franco. Só é uma pena que tenha demorado tanto. E nessa demora, nada inocente, a guerra política brasileira teve um papel nefasto.

A primeira e mais asquerosa tentativa de obscurecer o caso com doses de ideologia foram as mentiras sucessivas acerca de Marielle espalhadas pela direita radical brasileira, inclusive movimentos políticos e até deputados. Ela seria ligada ao tráfico, ex-mulher de traficante, "eleita" pelo Comando Vermelho; uma série de mentiras espalhadas intencionalmente com o intuito de desvalorizar sua morte e esvaziar seu símbolo. Apesar do estrago inicial, foram logo abandonadas. Estava claro que Marielle não tinha ligação com o crime e que sua morte era devida à sua atuação política.

A vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) en discurso na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro - Renan Olaz - 27.abr.17/Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro

Já nos meios progressistas, criou-se uma verdadeira obsessão de que a investigação só poderia terminar em Bolsonaro. Mesmo sem evidência alguma, partia-se da certeza de que Bolsonaro era, ou tinha que ser, o mandante. Só havia um probleminha: além da total falta de indícios, nunca se indicou o mais tênue motivo pelo qual Bolsonaro quereria matar Marielle. Seria por ela ser uma mulher, negra, LGBT e progressista?

No que matá-la ajudaria Bolsonaro ou sua família, ainda mais considerando que ela era conhecida apenas no Rio de Janeiro? Em nada. Muito pelo contrário: no embate ideológico, ser vítima de violência fortalece a causa. Mártires promovem as bandeiras que representavam. Marielle, com razão, tornou-se símbolo nacional dos valores que representava na Câmara e também do desejo mais amplo de renovação política. Mesmo supondo que Bolsonaro não visse problema ético em matar Marielle, ele não teria nada a ganhar, e sim tudo a perder, com um crime desses.

Houve uma terceira contaminação da polarização ideológica, esta mais diretamente ligada ao caso. Em 2019, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, quis federalizar a investigação acerca dos mandantes. Ela inclusive já apontava tentativas de obstruir a investigação no Rio de Janeiro por parte de Domingos Brazão. Isso foi alvo de campanha de familiares e aliados de Marielle, que temiam que a Polícia Federal "do Bolsonaro" poderia atrapalhar as investigações. Foi justamente o contrário. Quem mais atrapalhou o caso foi o delegado Rivaldo Barbosa, da Polícia Civil. Se a PF tivesse assumido o caso lá atrás, provavelmente teríamos resultados mais cedo.

A motivação do assassinato de Marielle não foi um embate ideológico, e sim o interesse do crime organizado sobre terrenos na zona oeste do Rio, que ela de fato confrontou, ao contrário de tantos falastrões da política quando o tema é combate ao crime. Dinheiro e poder era o que os criminosos queriam. Em breve saberemos o que motivou o delegado Rivaldo, mas suspeito que terá sido algo na mesma linha, e não o ódio às bandeiras da esquerda.

O ódio político que destrói relações aqui embaixo, entre parentes e amigos, e às vezes leva à morte, não é o que move as lideranças. Se agissem apenas com o fígado, sem estratégia, jamais chegariam aonde chegaram.

As torcidas não param, e chega a ser patético ver Domingos e Chiquinho Brazão apontados como expoentes do petismo ou do bolsonarismo. A fixação ideológica com que o caso Marielle foi olhado apenas dificultou se chegar à verdade e serviu como a capa perfeita para seus reais algozes —gente que vive muito além da direita e da esquerda— evitassem a Justiça por tanto tempo. Finalmente, sem toda a fumaça que turvava a visão, ela pode ser feita.

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