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Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

Os gatilhos de cada um

Nova geração de leitores quer mais controle sobre o jornal que consome

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"Antes de começar, um aviso. Essa série tem relatos de violência sexual, sofrimento psíquico e morte que podem ser um gatilho."

Não, este texto não tem nada disso, mas reproduz o alerta de gatilho do podcast "Caso das 10 mil", que disseca o maior processo criminal sobre aborto no Brasil, para mostrar que há esse tipo de cuidado na Folha. Para parte do público do jornal será um alívio saber que ele existe; para outra, surpresa que já não seja uma providência regular; para uma terceira, novidade.

A este último grupo, um parágrafo de esclarecimento. Alerta de gatilho é o aviso que precede um determinado conteúdo e antecipa que ele tem potencial para causar incômodo por abordar, por exemplo, um abuso sexual. Há quem avise sobre abuso de menores, violência doméstica, automutilação, suícidio, crimes de ódio, racismo, homofobia, transfobia. Há quem não avise nada.

É também aquele alerta que pontua que o filme, a série ou a novela é de outra época e carrega contexto social hoje controverso; é o "atenção, imagens fortes", que aparece antes das galerias de fotografias da guerra entre Israel e Hamas.

Na Folha não é apenas apropriado avisar que a imagem que vem a seguir é violenta, é uma regra do Manual da Redação (pág. 107). No caso do impresso, a edição precisa ser criteriosa, "pois o leitor será confrontado com a imagem sem nenhum tipo de aviso". Não há padrão ou exigência para textos. No caso dos podcasts, "é uma demanda do nosso público", conta a editora Magê Flores. Constatação empírica de sua equipe, "incomoda mais quando não colocamos do que quando colocamos".

Alertas não são unanimidade. Uma moção de estudantes da Universidade Cornell para que o dispositivo passasse a ser obrigatório em aulas foi vetada neste ano pela direção da escola, engrossando intenso debate que consome os campi nos EUA. De um lado, a preocupação dos alunos com a saúde mental; de outro, o receio das instituições de macular a liberdade de expressão.

Magê lembra que o público de podcasts é em geral jovem e "tem limites bem claros para relatos de violência". "É uma geração atenta a questões de saúde mental e exigente sobre o que o consumo do jornalismo pode causar neles", afirma. "Eles querem que seus limites sejam conhecidos."

Como escreveu Ronaldo Lemos, podcasts trabalham com "nosso sentido mais íntimo", o que corrobora a preocupação da editora. Assim como não dá para "desver" uma imagem agressiva, não dá para "desouvir" uma descrição violenta.

Daria para "desler" um texto pesado? "As novas gerações estão trazendo questões relevantes, mas é preciso cuidado para não passarmos do ponto", pondera Sérgio Rodrigues. "Ninguém tem o direito de não ser ofendido. Somos ofendidos pela desigualdade, pelo ex-presidente, pelas atrocidades da guerra. Nosso papel é mostrar o que está acontecendo. Seria antijornalismo não fazer isso." Difícil discordar do colunista.

Seria antijornalismo não publicar a fotografia do garoto palestino captada na hora em que seu corpo de olhos fechados e rosto sereno era retirado dos escombros provocados pelo bombardeio israelense na terça-feira (31). "Precisa de uma criança morta estampada no site?", perguntou, porém, um leitor ao ombudsman pouco depois da publicação.

Sensibilidades são diferentes, mas o desagradável por vezes é necessário. Não há como tarjar todo o noticiário.

Consultada sobre a necessidade de alertas no jornal, a Secretaria de Redação afirmou que já debateu a prática internamente, mas que estudos relativizam sua eficácia. Seria bom a Folha estudar também a percepção de seus diferentes públicos sobre o produto. Para a turma que pulou o terceiro parágrafo, é uma discussão que está longe de se encerrar.

Sugestões, o Manual poderia ter o verbete hoje restrito a imagens ampliado para abarcar todo o conteúdo audiovisual, que sabidamente provoca mais reações; temas que já contam com edição supervisionada, como abuso sexual, racismo e suicídio, deveriam ensejar o exame da pertinência ou não de um alerta.

Se ainda não há uma regra, que se comece pelas exceções.

O chabu da mídia

The New York Times publicou um raro "editor’s note" para reconhecer que confiou demais na versão do Hamas nas primeiras horas da cobertura sobre o hospital em Gaza. Passou as últimas semanas apanhando globalmente, apesar de não ter sido o único a derrapar.

Poucos se retrataram. A Folha publicou Erramos, reconhecendo não ter como verificar o número de mortos no episódio. O Estado de S.Paulo fez até um editorial sobre o caso, mas não corrigiu seu relato.

No bombardeio do campo de refugiados, na terça, os títulos surgiram mais cautelosos. O da Folha levou algumas horas para decantar a palavra "Israel" em seu enunciado.

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