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Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos.

Toda a literatura do mundo sempre cabe em um jogo de futebol

Debate com Jorge Caldeira na Flipoços seria sobre livros, mas acabou desaguando na Portuguesa

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A trama desta história acontece em dois momentos diferentes, distanciados por seis meses. Antes, no palco de um teatro, e, depois, em um estádio de futebol. Mas ao contrário do que é costume, o primeiro momento desta história nunca teria acontecido sem o segundo: foi assim.

Encontrei o imortal da cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras, ainda não empossado, mas já imortal, Jorge Caldeira, sentado ao meu lado no encerramento do Flipoços (Festival Literário de Poços de Caldas), em 11 de setembro de 2022, 21 anos após aeronaves aterrarem o orgulho americano e, o mais importante aqui, poucos dias depois de a independência brasileira completar dois séculos.

Arquibancadas e parte do campo do estádio do Canindé, da Portuguesa, na zona norte de São Paulo - Eduardo Anizelli - 13.ago.20/Folhapress

Muito sensível a o que acontece em datas que já mudaram o mundo, encontrei nosso encontro auspicioso e cheio de potencial. Durante meses falamos com entusiasmo desse dia em que nos encontraríamos para discutir livros e história. O nome da mesa era "200 anos, 200 livros e mais de 1.000 amores— história que se transformou em um lindo romance entre Brasil e Portugal", mas acabamos falando de futebol.

Jorge imortalmente tomou a palavra, como só os imortais sabem tomar, e teria dito (ou eu teria escutado, já não lembro bem), quase parafraseando Fernando Pessoa e o "Livro do Desassossego", "hoje torço pela Portuguesa, pela mesma razão que meus pais e meu bisavô sempre torceram —sem saber por quê".

E assim foi, palavras imortais umas a seguir às outras, meia hora de deleite, com Jorge explicando essa sua história de amor por Portugal, esse país de imigrantes que hoje já não é —trocou de lugar com o Brasil— e que acolhe em seu pequeno território uma enorme inovadora diáspora brasileira que ameaça a ordem estabelecida e até já tem nome de batismo: o primeiro movimento de contracolonização da história.

Quando chegou a minha vez de falar —Ave Jorge morituri te salutant—, no lugar do avô Santos Caldeira, fundador e três vezes presidente da Portuguesa, confessei que torcia pelo Palmeiras porque sou amigo de Abel Ferreira e contei minha história que fica do outro lado da vida.

As desventuras de meu avô António Fernandes, que sofreu em Manaus o infortúnio dos que nunca deixaram de ser imigrantes —Ferreira de Castro, por Pessoa— e regressou a Portugal, sem fama nem glória, 11 anos depois e mais pobre do que quando havia imigrado, fugindo de Salazar.

Seis meses depois, telefonei ao Jorge. "Amanhã a Portuguesa joga no Canindé, você quer vir? Temos contas a ajustar", disse-lhe. Jorge se lembrava bem de como o futebol havia vencido a literatura em nosso encontro em Poços de Caldas e que havia de ser dentro das quatro linhas que íamos continuar a conversa.

Era um jogo daqueles no Canindé. Partida com espírito de vida ou morte, como infelizmente têm sido quase todas da Lusa nos últimos 20 anos. O empate contra o São Bento praticamente condenava o time dos Caldeira a voltar a ser despromovido, deixando a sobrevivência na esfera dos milagres.

Mas tal qual profecia do Bandarra, uma semana depois, na última jornada do Paulistão, contra o Mirassol, logo se provaram Fátima e as aparições, as relíquias de santo e todos os restantes milagres e, como dizem alguns, também se demonstrou de novo essa condição única que melhor define os portugueses: serem tão capazes de fazer tudo com quase nada, como de estragar tudo sem ninguém entender como.

Afinal toda a literatura do mundo cabe sempre em um jogo de futebol.

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