Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.
Querem os deuses dos estádios que volte o grito de 'Galoooo'
Não que o som gutural tenha desparecido, mas ficou preso no fundo d'alma por 50 anos
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Não há no Brasil um grito de torcida tão impressionante como o da torcida do Atlético Mineiro na câmara acústica do Mineirão.
O "Galoooo" sai da garganta, gutural, mas, na verdade, vem do fundo d’alma, sofrido, mistura de incentivo e sofrimento, da massa que exala confiança e, ao mesmo tempo, sentimento de povo perseguido.
Perseguido pelos juízes, pelas traves, pelas botinas adversárias, pela injustiça esportiva, tantas e tantas vezes próximo da felicidade e impedido do desabafo final.
O grito primal!
O que liberta a dor mais profunda e a transforma no orgasmo da conquista libertadora, para sempre.
O país o conheceu em 1971, no Maracanã, quando a vitória sobre o também alvinegro Botafogo concedeu ao Atlético o primeiro título do campeonato chamado Brasileiro também pela primeira vez.
Dádiva e praga porque, depois, nunca mais.
Querem os deuses dos estádios que a graça volte a ser concedida 50 anos depois.
Não que o "Galoooo" tenha emudecido durante meio século, pois ecoado pelo continente americano em 2013, quando canonizou São Victor, ou na Copa do Brasil do ano seguinte, a mais épica das conquistas do torneio, ao vencer o Palmeiras, virar jogos impossíveis contra Corinthians e Flamengo e derrotar o arquirrival Cruzeiro na final.
Só o torcedor sabe sem saber o que são certos sentimentos inexplicáveis.
Uma Libertadores não vale mais que o Campeonato Brasileiro?
Pode ser que sim, pode ser que não e, no caso atleticano, não. Definitivamente, não!
Porque quem ganhou o primeiro não pode ter ganhado o único, ou o último. E é só por isso que o segundo será o maior de todos os títulos. O que virá depois importa, e muito, mas não importa nada.
Vale curtir agora cada uma das 11 derradeiras rodadas, saborear lentamente cada passo até o grito final, gutural, primal.
Porque uma das qualidades do campeonato em pontos corridos é a que permite ir sentindo o gosto aos poucos, sem o desespero do mata-mata, matar ou morrer, tudo ou nada, êxtase ou desgraça.
Como explicar o inexplicável? Como o corintiano mais vivido convence o mais jovem de que o título estadual de 1977 é mais importante que todos os que se seguiram, mais importante até que o do Brasileiro de 1976, que poderia ter vindo em Porto Alegre, depois da histórica invasão do Maracanã?
Pois o bicampeonato nacional do Atlético será mais importante do que seria o bi continental, perdido de maneira inédita, com o time invicto.
Renato, Humberto Monteiro, Grapete, Vantuir e Oldair, Vanderlei, Humberto Ramos, Ronaldo, Lola, Dario e Tião, os campeões de 1971, além de Beto, Spencer e Cincunegui, comandados pelo inatacável Telê Santana, encontraram seus sucessores. Em Everson, Mariano, Junior Alonso, Nathan Silva, Guilherme Arana, Nacho Fernández, Zaracho, Allan, Hulk, Keno, Savarino, Diego Costa, Vargas, Rafael, Réver, Igor Rabello, Guga, Dodô, sob a batuta de Cuca —este ainda deve pedido de desculpas às mulheres do planeta.
Ao cabo de 2021, seja quem for o campeão da Copa do Brasil, e da Libertadores, ninguém terá dúvida de que o melhor time da temporada vive em Belo Horizonte, capital das Minas Gerais.
Pode ser que alguém ache a coluna precipitada, porque em futebol tudo pode acontecer como, de fato, pode.
Então, restará ao autor dizer que o "Galoooo" preso mais um ano se libertará em 2022, junto com o Brasil.
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