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Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Esporte continua aristocrático, eurocêntrico, masculino e branco

Mulheres atletas têm corpos excepcionais limitados, enquanto os de homens são exaltados

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Nunca é demais trazer para a discussão temas considerados unânimes, consagrados ou mesmo naturalizados, como o binarismo de gênero no esporte.

A divisão homem e mulher presente desde as primeiras competições esportivas começou muito antes das mulheres serem admitidas nessa seara. Sistematizada e institucionalizada nas escolas inglesas, todas elas masculinas, levou a uma naturalização da prática esportiva apenas para os varões britânicos, que liderariam a exploração de colônias e mercados mundo afora.

Ou seja, o esporte nasceu aristocrático, masculino, eurocêntrico e branco. Nada muito diferente da ciência, da política e de outras produções da sociedade de então.

Como fenômeno social, o esporte acompanhou as conquistas acumuladas na política, nas ciências ou no trabalho, porém não no mesmo ritmo. A equidade de direitos, posições e salários tardaria ainda muitos anos.

Na esfera esportiva, conservadora por princípio, a equivalência parece ainda distante de se dar. Isso porque a naturalização de dogmas persiste tanto quanto preconceitos pautados em bases de uma ciência que insiste em se afirmar como isenta de valores e ideologias. Em pleno século 21, as mulheres atletas ainda são concebidas a partir de um modelo fincado na figura de uma mulher determinada biologicamente.

Enquanto atletas como Michael Phelps ou Usain Bolt são celebrados por suas conquistas quase divinas, facilitadas por seus corpos excepcionais, mulheres como Caster Semenya são obrigadas a terem seus corpos fora da média limitados por padrões estabelecidos por comitês compostos majoritariamente por homens, brancos, não menos aristocráticos do que os criadores do esporte de séculos atrás.

A pergunta que não quer calar é: Por que a atleta, um substantivo feminino, e não adjetivo que qualifica um ser, precisa ter limites para ser definida como mulher, enquanto os homens não?

A pesquisadora Waleska Vigo tem dedicado seus estudos a discutir essa questão. Ao se debruçar sobre a história das mulheres atletas, encontrou inúmeros casos de carreiras interrompidas pelo uso da força do poder de canetas empunhadas por homens que assinavam normas impeditivas.

Durante décadas, mulheres atletas sofreram a violência e o abuso de testes de feminilidade, que iam de fotografias genitais a exames de palpação ginecológica, além da obrigação de permanecerem nuas frente a um comitê médico que buscava evidências que contradissessem a condição de mulher.

Algumas poucas atletas, donas de corpos desobedientes, rebelaram-se, mas a maioria se sujeitou diante da falta de opção e do risco do corte das competições. Ao longo de 30 anos, mais de 11 mil mulheres passaram pelos procedimentos que provariam sua feminilidade.

Porém, menos de uma centena protestou. Inúmeras seguiram caladas, indiferentes ou enfrentando a opressão com estratégias silenciosas. Outras ainda apoiam essas normas, repetindo o discurso hegemônico criado por instituições esportivas de que isso garantirá uma competição justa. Quanta ignorância, quanto desconhecimento!

Semenya teve sua apelação negada em mais um tribunal internacional. Ela, negra, cidadã de uma África do Sul colonizada e dividida pela discriminação, foi julgada pelos mesmos juízes que pouco ou nada sabem sobre as “Epistemologias do Sul” do professor Boaventura Souza Santos.

Conservadores em sua maioria, concebem o binarismo sexual como a norma e não compreendem a mulher contemporânea como alguém que teve que lutar para ser o que é hoje. Às vezes acredito que o esporte parou no tempo.

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