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Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

Bruna Surfistinha em sala de aula e o fim do Escola sem Partido

Escolas foram as primeiras vítimas da escalada pró-censura que toma o país

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Jair Bolsonaro alçou “Bruna Surfistinha” a tema de debate nas escolas. Afinal, não convém deixar de fora da formação de um estudante a reflexão sobre o fato de o presidente, usando esse filme como exemplo de falta de “respeito às famílias”, ter dito que quer definir o que pode e o que não pode ser produzido com recursos da Agência Nacional do Cinema.

O obstáculo para isso é que as escolas foram as primeiras vítimas dessa escalada pró-censura que toma o país. Os educadores se tornaram inimigos potenciais que devem ser vigiados, filmados de preferência, para que não “doutrinem” os alunos. E a liberdade de expressão, ameaçada nesse episódio Bruna Surfistinha e em tantos outros do Brasil atual, é um tópico que adeptos da censura adoram proibir, em “respeito às famílias”.

Pais, políticos e não sei mais quem, todos se acham no direito de dizer o que pode e o que não pode ser discutido em aula, entrar na lista de livros e até na seleção de músicas tocadas nas festas escolares. O cenário não deve mudar com o anunciado fim do Escola sem Partido, que prega a vigilância dos educadores. 

O movimento, que marcou para hoje o encerramento das atividades, foi criado há 15 anos pelo advogado Miguel Nagib, quando, segundo ele, o professor de sua filha comparou Che Guevara a São Francisco de Assis.

Em seu site, ensina alunos a “planejar a denúncia” contra “doutrinadores”, inclusive com modelo de petição para filmar as aulas, notificação extrajudicial e representação ao Ministério Público contra professores. Alerta para o risco de os alunos sofrerem da Síndrome de Estocolmo, nome dado à simpatia que o sequestrado pode sentir pelo sequestrador em razão do poder que ele exerce sobre sua vida. Nos colégios, teoriza, há “sequestro intelectual”.

O Escola sem Partido ganhou força graças à adesão de grupos conservadores de direita, foi transformado em projeto de lei com o apoio dos filhos de Bolsonaro e virou bandeira de sua campanha à presidência.

 

O anúncio do fim do movimento deu-se após desgaste entre seu fundador e o governo que ele ajudou a eleger. Nagib queria apoio do presidente para conseguir financiamento e transformar o projeto em lei. Em um post do Facebook, escreveu que “denúncias, pedidos de socorro e orientação deverão ser dirigidos ao MEC, secretarias de educação, Ministério Público e políticos que se elegeram com a bandeira do Escola sem Partido”.

Bolsonaro de fato não precisa se desgastar (mais) com um aceno tão explícito ao movimento, criticado por instituições da educação, por um motivo simples: ele já pegou. Mesmo sem uma lei, suas práticas se disseminaram, professores estão sendo vigiados, denunciados, demitidos.

O documentário independente “Escola sem Censura”, dirigido por Rodrigo Duque Estrada e Ricardo G. Severo e disponível na internet, mostra como a lei não é mais necessária. Professores excluem Karl Marx ao mencionar filósofos, evitam dar aulas sobre sexualidade e direitos humanos. Uma professora afastada sob acusação de “doutrinação” chora ao falar sobre a perseguição que sofre “24 horas por dia” na internet. A conversa na escola é “raivosa”, alunos estão condicionados ao enfrentamento. Pode ser perigoso prestar atenção ao que um professor diz, a não ser que seja para vigiá-lo e não para aprender. A falta de confiança prejudica o aprendizado.

No governo, além de Bolsonaro, o ministro de Educação fomenta o clima de caça às bruxas. Em entrevista sobre o Enem 2019, Abraham Weintraub, apesar de ter dito que não pretende ler antes a prova, ameaçou de demissão os profissionais que formulam as questões se eles “não performarem adequadamente”, ou seja, se incluírem temas “ideológicos”.

Portanto, estudantes, se vocês não puderem refletir sobre o episódio Bruna Surfistinha e a liberdade de expressão na escola porque os professores temem perseguição, fiquem tranquilos quanto ao Enem, que essa prova deve passar longe desses temas. Em “respeito às famílias”.

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