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Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

Redes sociais dão voz ao discurso de ódio porque são democráticas

Desinformação é, quase sempre, aquilo do qual discordo, um mercado selvagem de conteúdos

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O equívoco clássico dos defensores da censura é achar que, se você censura para o bem, você não é um censor.

Todos que se envolveram em censura a partir de princípios se achavam do bem. Inquisidores, censores do Czar, de Stalin, dos nazistas, da ditadura de 1964. Todos. E essa moçada que agora compõe o esquadrão de combate à desinformação também. Acho o fim da picada que agentes do pensamento público virarem censores.

Ilustração para a coluna de Luiz Felipe Pondé na Folha de S.Paulo, publicada em 5 de março de 2023 - Ricardo Cammarota

Paris é uma festa, sempre. A Unesco —uma instituição inútil—, que fica em Paris, resolveu se reunir com luminares para combater o discurso de ódio e da desinformação. O evento foi uma mistura de balada de marketing pessoal com uma pitada de concílio bizantino.

Tais concílios, na antiga Bizâncio ou Constantinopla, se reuniam para discutir se Jesus era capaz ou não de atravessar paredes.

Não vai servir pra nada, mas gerará networking, negócios, parcerias, marketing, mídia, financiamentos, sexo trivial, engajamento nas redes, selfies, compras, cafés, jantares, enfim, tudo aquilo do que
o mundo da cultura é feito.

No Brasil, nos EUA, todos pensam em Bolsonaro e Trump quando se quer dizer que é urgente regular a internet. Como é bom o mundo dos infantis —e dos picaretas.

As redes sociais dão voz ao discurso de ódio porque são democráticas. Qualquer idiota fala o que quiser. Bolsonaro e Trump são sintomas, não a causa. Mas, para o PT, fica bem na fita dizer o contrário. E o mundo segue, como sempre, indo para lugar nenhum. Um circo em chamas.

Exemplos. Lendo comentários, recentemente, numa reportagem sobre o conflito entre Palestina e Israel, percebi que todos os comentários até ali eram, em uníssono, contra Israel. Tudo bem. Cada um tem a opinião quer quiser. A esquerda é contra os judeus desde o antissemitismo stalinista. Mas tudo bem. Cada um é cada um.

Um dos comentários diz que Israel pratica o pior de todas as formas de apartheid. Olhemos de perto. Existe apartheid em Israel? Não, não existe. Árabes israelenses votam e têm direitos. Existe uma situação de guerra, aliás, como em grande parte da região.

Ou seria, apenas, uma analogia ao sistema sul-africano para servir como crítica a Israel? Como metáfora está valendo? Ou seria um discurso antissemita? Afinal, a importância dada ao conflito israelo-palestino no Brasil é enorme, não? De onde vem todo esse engajamento? Ódio aos judeus? Ou esses comentários visam criticar o ódio dos judeus para com os palestinos?

Proponho que os luminares resolvam esse grande enigma hermenêutico. Provavelmente porão o problema na conta maior da educação.

Risadas? A educação mal consegue fazer os alunos aprenderem a ler e contar os números. Desafio: como fazer um aluno ser educado para combater a desinformação se ele não lê nada? Quando não se sabe o que fazer com um problema na modernidade, se coloca no colo da educação. Essa prática data, no mínimo, da segunda metade do século 19.

A educação, afora ensinar ofícios, não consegue impactar os alunos em quase mais nada. Sobre ela, quase tudo que se fala é mentira. Conseguimos educar as gerações mais jovens para o rádio? Para a televisão? Não. Por que conseguiríamos para a internet e as redes sociais?

Mais um desafio: existem leis contra golpes na internet e nas redes no Brasil. Adianta? Não. Se nesse caso em que já existem leis não se consegue nada, como será quando tratarmos de casos em que não existem leis? O que é desinformação? Ninguém está nem aí pra isso, contanto que o conteúdo bata com o que eu gosto.

Desinformação é, quase sempre, aquilo do qual discordo. A desinformação é um mercado selvagem de conteúdo. Mesmo em catástrofes como um terremoto ou uma enchente —como a recente no litoral norte de São Paulo—, a desinformação crassa.

Muitos intelectuais pós-modernos brincaram ao longo das últimas décadas com ideias como tudo é narrativa, pós-verdade, desconstrução, sócio-construtivismo de tudo que existe. Agora gemem como criancinhas. Os seres humanos amam a mentira de forma espontânea, sem razão. Um amor desinteressado. Sincero.

Mais um dia se passa no circo em chamas. E o tédio reina como um absoluto.

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