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Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

Que tipo de filosofia Sócrates praticava que o levou à pena de morte?

Desmascarar as mentiras dos 'sábios' pode ser uma prática de risco, como condenações de filósofos mostram até no Brasil

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No ano de 399 a.C., o famoso filósofo ateniense Sócrates foi condenado à morte. Ou tomava cicuta ou teria que se exilar de Atenas, o ostracismo, como se dizia, e se tornaria um estrangeiro sem direitos vagando de cidade em cidade.

O réu optou pela morte, que na sua opinião era mais honrosa.

Ilustração de Ricardo Cammarota para coluna de Luiz Felipe Pondé de 19 de junho de 2023 - Ricardo Cammarota

A pergunta é: por que Atenas, berço da democracia, da busca de leis criadas por humanos racionais, "cidade luz" na Antiguidade mediterrânea, condenaria um filósofo à morte? Respostas imediatas são conhecidas: perversão dos jovens afastando-os dos deuses da polis, afirmação de que os astros eram pedras e fogo e não deuses, retórica a favor de argumentos falsos, fazendo-os parecer verdadeiros, e assim enganar os outros.

Mas, para quem entende um pouco mais acerca da natureza humana, a pergunta persiste: por que uma cidade ilustre como Atenas condenaria um filósofo à morte, enquanto criminosos, corruptos e conspiradores continuavam a fazer parte do poder político e jurídico como cidadãos livres? O fato é que muitos "democratas" são canalhas.

Essa pergunta é fundamental para entendermos o lugar de um certo modo de praticar filosofia no seio das cidades dos homens e das mulheres ao longo da história, até hoje, incluindo o Brasil, que pode levar o filósofo à desgraça.

Vale salientar que Atenas naquele momento já não vivia os dias gloriosos da democracia. A guerra do Peloponeso que durara de 428 a 401 a.C. terminara com a humilhação de Atenas nas mãos de Esparta.

Uma fonte essencial para entendermos a condenação à morte de Sócrates é o texto "Apologia a Sócrates", em que seu discípulo Platão dá voz ao mestre para que ele faça sua defesa diante de seus juízes, que acabarão por mandá-lo ao "patíbulo" como um criminoso qualquer.

Todo filósofo tem problemas com o poder? Claro que não. Muitos vivem bem com o poder, o servem, o defendem, ganham a vida graças ao poder —tais intelectuais são conhecidos como orgânicos, porque operam dentro de uma estrutura político-ideológica que determina e limita sua atuação como pensador público. São inúmeros os exemplos ao logo da história.

Logo, a questão que permanece é: qual tipo de filosofia Sócrates praticava que o levou à condenação à morte?

Se seguirmos o texto de Platão, Sócrates se defende da acusação de ateísmo dizendo que nunca falou contra os deuses da cidade e que creditava, mesmo com sua opção pela condição de filósofo pobre e questionador, à pitonisa de Delfos a afirmação de ser ele o homem mais sábio da Grécia e que tinha por missão questionar os cidadãos para que eles desenvolvessem virtudes públicas —a famosa "areté".

Missão essa dada por Apolo. Pessoalmente, não creio que seja possível ensinar a virtude a ninguém.

Se olharmos a distância, apesar da defesa de Sócrates, veremos que ele é acusado de afastar os jovens das crenças religiosas tradicionais, acusação esta comumente feita a filósofos ao longo da história. Sócrates seria, então, uma espécie de herege condenado à fogueira.

Mas há uma outra acusação importante a se lembrar: ele seria arrogante ao fazer os cidadãos com quem ele discutia serem humilhados publicamente.

Aqui há um ponto fundamental. Sócrates não acreditou quando a pitonisa disse ser ele o homem mais sábio da Grécia e, portanto, se pôs a conversar com grandes poetas, líderes políticos, grandes retóricos, médicos, famosos artesãos, supondo encontrar sabedoria maior do que a dele, e, descobriu, para sua desgraça, que essas figuras famosas por seu saber mentiam, não sabiam o que diziam saber ou eram simplesmente ignorantes e fingiam não ser.

Sócrates não assumiu que ele era sábio por causa disso. Lembremos de sua famosa afirmação de que, quanto mais buscava a verdade, mais longe se via dela, mas desnudou a mentira que estava no coração do contrato social de Atenas: os sábios mentiam e, por isso, o caluniaram pela inveja. Sócrates mesmo faz menção a essa inveja por parte dos seus inimigos, de vê-lo ser mais sábio do que eles.

É esta a prática filosófica que matou Sócrates: desmascarar a mentira dos "sábios".

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