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Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

Descrição de chapéu

A mão suada da vergonha alheia

Ao contrário do que sugeriu Bolsonaro, tenho a fórmula da água na palma da mão

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Minhas mãos suam quando fico constrangida pelos outros. Trata-se de uma patologia muito específica, que só se aplica à vergonha alheia. É diferente de quando sou eu o sujeito e o objeto do constrangimento —nesse caso, posso até perder minha dignidade, mas não perco uma gota de suor pela linha da vida.

Lembro de um “date” em que percebi, logo de cara, que minhas mãos seriam a única parte do meu corpo que aquele rapaz deixaria molhada. Enquanto ele se gabava de seu trabalho fotográfico —ensaios de nu artístico que retratavam a natureza feminina—, por baixo da mesa eu enxugava as mãos no meu short, que infelizmente não deu vazão às cargas d’água de constrangimento. Sabemos que o Rio de Janeiro não tem infraestrutura para escoar enchentes e acabei pedindo a conta antes de causar mais problemas ao nosso omisso prefeito.

De lá para cá, fiz tudo o que estava ao meu alcance para conter o fluxo irrepresável das minhas mãos. Parei de frequentar peças de teatro amador e chás de revelação; nunca mais assisti a reality shows, muito menos à TV Senado. Por um momento, tudo parecia sob controle. Até chegarmos em 2019.

Em meio aos cortes na Cultura e no setor audiovisual, começo a achar que, se o Brasil não me matar de fome, vai me matar de desidratação. Não há Gatorade, água ionizada ou suco verde que dê conta de tanto constrangimento.

O ministro da Educação errando a conta dos chocolatinhos, o ministro da Justiça errando a pronúncia de “cônjuge”. Os tuítes djavanescos do Carlucho, o presidente travando a língua com o teleprompter. O tapinha na bunda da Joice Hasselmann. O dono da Havan fantasiado de dom Pedro, bradando “Previdência ou Morte”.

Não posso nem sequer julgar o vídeo em que o 01 enxuga as lágrimas com a bandeira do Brasil, pois, no momento em que vi aquilo, enxugaria minhas mãos em qualquer coisa que estivesse por perto, inclusive na nossa bandeira.

Ao contrário do que sugeriu Bolsonaro, eu tenho a fórmula da água sempre na palma da mão. Pensei até em usar luvas, mas minha cidade não tem clima para isso. Quem sabe investir em um bom antitranspirante, abandonar as redes sociais, parar de ler as notícias. Mas não há nada que eu possa fazer, o tsunami é inevitável.

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