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Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

Machismo apagou as mulheres primitivas, que caçavam como os homens

Cientistas com visão limitada moldada pelo gênero, porém, catalogam suas ferramentas como utensílios de cozinha

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Nas montanhas dos Andes, em 2018, um grupo de arqueólogos encontrou uma ossada humana do período paleolítico acompanhada de uma coleção de ferramentas para caça de animais de grande porte. A equipe supôs que se tratava de um caçador importante na comunidade, até uma análise dos restos mortais revelar que o corpo era de uma mulher.

Aprendemos na escola que os homens pré-históricos eram responsáveis pela caça, enquanto as mulheres coletavam frutas e vegetais e cuidavam das crianças. Quem assistiu ao desenho animado "Os Flintstones", sobre a rotina de uma família na pré-história, deve se lembrar da personagem Vilma, a dona de casa que sempre é surpreendida quando Fred chega do trabalho gritando seu nome, a constrangendo a servir o jantar.

Ilustração publicada em 12 de julho de 2022 - Silvis

E, quando pensamos na mulher primitiva, a primeira imagem que nos vem à cabeça é a de uma desgraçada vestida de animal print sendo arrastada pelos cabelos. Um clichê imortalizado em charges e cartuns, sempre em tom humorístico, baseado no mito de que o acasalamento de nossos ancestrais funcionava assim.

Tudo isso é reflexo de teses tradicionais da paleontologia que já são consideradas mais arcaicas do que a pedra lascada. Os arqueólogos que encontraram a ossada nos Andes se debruçaram sobre casos semelhantes e concluíram que mulheres caçadoras eram tão comuns na América pré-histórica quanto homens.

Jamais saberemos, ao certo, como era a rotina dessa mulher, mas podemos imaginá-la saindo pela manhã, armada com seu arpão do-it-yourself, determinada a fazer uma mamãe javali chorar, deixando seu filho aos cuidados de um pai que passaria o dia tentando acender o fogo enquanto o moleque rabisca as paredes da caverna, arrancando o couro de um bisão imaginando quantos croppeds poderia fazer com aquilo, contando a mesma história, em volta da fogueira, sobre o dia em que caçou um mamute, e jamais sendo interrompida.

Uma mulher confiante de que quando chegasse o dia da caça, e não da caçadora, seria enterrada com honrarias que merecia. Se ela soubesse que, milhares de anos depois, um cientista com a visão limitada encontraria sua sepultura e catalogaria suas ferramentas como utensílios de cozinha —como aconteceu com muitas outras caçadoras—, perderia a fé na evolução humana.

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