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Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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O deepfake falhou no comercial com Elis Regina ao ignorar o seu passado

A voz da cantora que bradou contra o capitalismo interessa mais viva do que morta e 'ressuscitada' por propaganda de carro

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Os antigos egípcios se dedicavam a criar murais, pirâmides e outros artefatos para garantir a eternidade de seus faraós, cultuados como deuses.

Milênios depois, a prática da idolatria segue firme com o culto às celebridades, que agora não são mais mumificadas em templos, e, sim, em peças publicitárias.

Faz sentido, ainda mais partindo da teoria benjaminiana que compara o capitalismo à religião, já que nosso sistema econômico atua como dispositivo de controle e produtor de significado para nossas vidinhas da mesma forma que as doutrinas religiosas nas civilizações antigas.

Nunca pensei que um comercial de carro que viralizou no Twitter demandaria uma introdução tão elaborada. Mas a garota-propaganda da peça é muito mais complexa do que isso: eternizada como um dos maiores nomes da MPB, vendeu discos como água e discursava contra o capitalismo.

Então faço desta coluna um pergaminho para perpetuar a voz de Elis Regina, que nos interessa mais viva do que morta e "ressuscitada", 30 anos depois com a ajuda de inteligência artificial.

Em entrevista para o programa Jogo da Verdade, na TV Cultura, exibido em 1982, ela reflete sobre consciência de classe e direitos trabalhistas.

Ilustração de Silvia Rodrigues para coluna de Manuela Cantuária, 10.jul.2023 - Folhapress

Toma como exemplo um trabalhador de seu ofício que, diante da pressão econômica e da necessidade de sobrevivência, assina "aquele recibo canalha, que faz com que ele ceda os seus direitos perpetuamente à gravadora. Então, o dinheiro fica em um fundo previdenciário para pagar cadeira de rodas, pagar enterro. A gente não quer que o músico morra decentemente, e, sim, que ele viva decentemente".

Em 1979, Elis se apresentava em um evento com renda revertida para o fundo de greve dos metalúrgicos de São Paulo.

Em outra entrevista, concedida nos bastidores do show "Saudade do Brasil", ela fala sobre seus planos de levar a apresentação para uma fábrica: "Operário não tem carro para ir ao Riocentro e nem 400 paus para pagar ingresso. [...] Eu não vou a show apresentado por patrão".

A tecnologia do deepfake, conhecida por seus resultados realistas, me parece ter falhado miseravelmente nesse caso da propaganda da Volkswagen.

É o preço que se paga por tentar manipular o que há de mais vivo em Elis Regina: sua humanidade e o legado artístico que a cantora deixou.

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