Siga a folha

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

Realeza não acabará fácil, mesmo que as tradições sejam desprezadas

Não vejo motivos para esperar nenhum republicanismo na Inglaterra depois da morte de Elizabeth 2ª

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

O rei Farouk 1º do Egito foi deposto em 1952, depois de um reinado de corrupção, ineficiência, esbórnia e jogatina. Tentou resistir um pouco, mas acabou se conformando.

Afinal, dizia ele, no futuro só existirão cinco reis: os quatro do baralho e a rainha da Inglaterra.

As coisas não aconteceram bem como ele previa.

Vendo a morte se aproximar, o ditador espanhol Francisco Franco (1892-1975) decidiu em 1969 que seu país deveria voltar a ter um rei.

Na época, ninguém acreditava que a Espanha pudesse manter alguma estabilidade, depois de décadas de sufoco político. Brincava-se que Juan Carlos 1º seria "Juan Carlos, el Breve".

Ilustração de André Stefanini para coluna de Marcelo Coelho 14.set.2022 - André Stefanini


Ele se firmou, porém, como monarca; teve papel decisivo ao fulminar, pelo simples poder do cargo e da palavra, uma tentativa de golpe de extrema direita em 1981.

Muito mais tarde, surgiram escândalos de corrupção indefensáveis. Juan Carlos teve de abdicar e, pior que isso, terminou fugindo para terras mouriscas, indo morar em Abu Dhabi.

Mesmo assim, a Espanha segue sendo uma monarquia, assim como a Holanda, a Suécia ou a Dinamarca, sem que ninguém dê muita bola para isso.

Todo mundo é livre para especular, mas não vejo motivos para prever nenhum republicanismo na Inglaterra depois da morte de Elizabeth 2ª.

Pode-se gostar menos de Charles, e bem pouco de sua consorte, Camilla; o fantasma de Lady Di irá sempre assombrar a popularidade do casal.

Mas a imprensa britânica se baba com Kate Middleton e seu marido William, o novo príncipe de Gales. Há poucos meses, o filho pequeno do casal já tratou de roubar o show, ao aparecer na sacada do Palácio de Buckingham durante os festejos dos 70 anos de reinado de Elizabeth.

Ou seja, a monarquia ali pode se prolongar a perder de vista. Alguns comentaristas dizem que o novo rei é pessoa dotada de opiniões demais: são famosas, por exemplo, suas críticas à arquitetura moderna —que na Inglaterra, seja dito, produziu um número incomparável de monstruosidades.

Seria isso "divisivo" demais para o papel constitucional da monarquia? Para equilibrar as coisas, Charles é suficientemente sem graça e, quanto mais velho fica, menos interessante se torna. Seu primeiro discurso como rei foi um bocado repetitivo, sem o faro de Elizabeth para encontrar uma adequação perfeita no lugar-comum.

Mas, para fazer uso de um lugar-comum também, a monarquia é uma questão de costume, e o que caracteriza um costume é que as pessoas estão acostumadas com ele. O mundo estava tão acostumado com a rainha que, quando ela morre, parece que tudo será diferente.

Coisa de jornalista, talvez. Sempre se fala em "nova era" quando não há novidade nenhuma, e sempre se fala que não há nada de novo quando algo realmente está mudando.

Faço um pequeno depoimento pessoal.

Por razões que não vêm ao caso aqui, e que não se relacionam a qualquer monarquice ou provincianismo de minha parte, estive na frente do Palácio de Buckingham logo depois do anúncio da morte da rainha.
Era o começo da noite, com muita chuva e poucas flores. Havia bastante gente, mas menos do que eu pensava.

A grande maioria, pelo que vi, era de turistas; muitos grupos de jovens faziam o que sempre fazem: selfies, gritos, caretas e algazarra.

Por são Jorge! No metrô, no supermercado, na rua, ninguém parecia estar ligando a mínima. O fato da morte de Elizabeth parecia existir apenas nos jornais.

Claro, formou-se uma fila de gente trazendo flores, entregando-as aos guardas do palácio. No noticiário da BBC, é possível acumular, a conta-gotas, imagens de pessoas mais comovidas, cartazes de gratidão, coisas desse tipo.

Vitrines de lojas se refazem para a situação. Cerimônias, música, procissões vão cumprindo a sua parte: o clima se cria, é contagioso, e as pessoas aprendem rápido o que devem dizer —e o que estão sentindo, ou pensam que estão sentindo.

Surpreendi-me ao falar a mim mesmo, diante do computador: "Ah, olha aí, o discurso do rei". Estávamos todos habituados a falar na "rainha da Inglaterra". Não precisou nem de um dia para que "rei da Inglaterra" ficasse normal.

Quem viveu a década de 1960 continua pensando, muitas vezes, que tudo é revolução, inconformismo e mudança.

Uma verdadeira múmia, Bento 16 ocupava o Vaticano no auge dos já esquecidos "vatileaks". A Igreja Católica, dizia-se, estava com os dias contados. Surge Francisco, mais simpático. A coisa não muda, mas fica diferente.

Tudo acaba, mas demora muito mais do que se pensa.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas