Siga a folha

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

O desafio da complexa demanda por serviços de saúde

Além da Covid-19, outras doenças contribuem para aumentar ainda mais a desigualdade

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Ainda que o atual momento da pandemia de Covid-19 no Brasil seja de queda de casos e mortes, a piora da situação na Europa e o surgimento de uma nova variante de preocupação (ômicron) deveriam servir de alerta. É preciso intensificar, e não relaxar, ações que busquem a contenção do vírus. Testagem na atenção primária e em pontos de entrada no país, apresentação de certificado de vacinação para entrada no país e para atividades em ambientes fechados e a manutenção do uso de máscaras são medidas cruciais.

Além da Covid-19, há outras doenças que, ainda que não ocupem espaço frequente na mídia, afetam o desenvolvimento infantil, levam à morte precoce, reduzem a capacidade produtiva do país, e contribuem para aumentar ainda mais as desigualdades.

Hospital Florianópolis, em Santa Catarina - Eduardo Valente - 1º.mar.2021/Agência O Globo

Por exemplo, a sífilis congênita quando detectada, pode ser tratada com medicamento eficaz e de baixo custo. Entretanto, cerca de 8,2 crianças a cada mil nascidos vivos nascem com sífilis congênita no Brasil, e o país responde por 85% dos casos nas Américas.

Com relação a HIV/AIDS, o programa nacional de controle criado em 1988 propiciou acesso universal a medicamentos para pessoas infectadas (primeiro país de renda baixa/média a fazê-lo). Apesar dos avanços, preocupa o aumento da incidência e da mortalidade em algumas regiões, a alta prevalência entre grupos vulneráveis, a redução do orçamento público e o enfraquecimento da participação da sociedade civil.

A baixa cobertura vacinal torna o país vulnerável a eventuais reintroduções e surtos de doenças imunopreveníveis. Em 2019 o Brasil perdeu o certificado de eliminação do sarampo, e a cobertura vacinal de poliomielite vem caindo desde 2015, chegando a cerca de 60% em 2020, bem abaixo da cobertura ideal (95%) e extremamente preocupante.

A dengue é endêmica e epidemias tem sido mais intensas nas últimas décadas. O crescimento desordenado de cidades contribui para expandir a extensão geográfica da doença. O zika vírus, que trouxe consequências devastadoras ao causar a síndrome da zika congênita, continua circulando (5.710 casos de zika em 2021 —até meados de outubro). Sem medidas intersetoriais que modifiquem as condições estruturais de infraestrutura e moradia que contribuem para a transmissão, é uma questão de tempo até que uma nova epidemia de zika aconteça e, novamente, afete desproporcionalmente os mais vulneráveis.

Além destes desafios, a fome está de volta ao Brasil. As recentes imagens de crianças indígenas com a barriga dilatada devido a doenças relembram fotos documentadas durante a expedição de Oswaldo Cruz à Amazônia em 1910. A história não se repete, mas rima. E o Brasil vivencia rimas com um passado para o qual não deveria voltar.

Estas e outras questões sanitárias são um desafio, porém não são intransponíveis. Afinal, o Brasil é o único país com uma população superior a 100 milhões de habitantes que possui um sistema de saúde universal, gratuito e que tem a equidade como um de seus pilares. Um sistema que ao longo de três décadas foi um dos maiores mecanismos de redução de desigualdade no acesso a saúde.

Num momento em que o Brasil enfrenta a demanda por serviços de saúde que já existia antes da pandemia, a demanda represada de atendimentos e procedimentos devido a pandemia e a demanda futura em consequência das sequelas da Covid-19, somente um caminho permitirá atender a população com equidade. O caminho está no fortalecimento do SUS e de sua rede de atenção primária, na valorização do desenvolvimento científico, no apoio a instituições de pesquisa e no comprometimento político com uma agenda social que busque reduzir as desigualdades. Sem isso, parafraseando o Prof. Gonzalo Vecina, será "a barbárie."

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas