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Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

Argumentos ambientais toscos têm justificado transferências para os ricos

Como alguém em sã consciência tem coragem de defender que se gaste dinheiro público para subsidiar consumidores a trocar o seu carro por um zero?

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Desde que o governo abandonou o trabalho de barrar jabutis no Congresso, é impressionante a facilidade com que os lobbies estão conseguindo fazer suas propostas serem aprovadas. Ninguém questiona. Todo mundo engole as justificativas superficiais, sem lastro com a realidade. Virou moda usar o argumento da preservação ambiental para justificar o injustificável.

Na coluna de 8 de abril alertei que o tal "Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País – Renovar", anunciado com o objetivo de trocar caminhões antigos por novos, mediante subsídio público, seria um cavalo de troia para viabilizar, mais adiante, subsídios à troca de carros de passeio.

Dois meses depois, em 8 de junho, o Valor Econômico estampou a manchete "Carro velho polui 23 vezes mais que um novo, diz Anfavea". Na matéria lê-se que esse é "um dos argumentos que a indústria tem levado a vários ministros para convencer o governo a expandir, para automóveis, o plano de renovação da frota, que começou a ser preparado para caminhões".

Trânsito na marginal Pinheiros próximo ao Jockey Club, em São Paulo. Veículos automotores respondem por 90% da emissão de monóxido de carbono, hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio. - Adriano Vizoni/Folhapress

Como alguém em sã consciência tem coragem de defender que se gaste dinheiro público para subsidiar consumidores a trocar o seu carro por um zero? Isso tem alguma prioridade em um país empobrecido, onde a fome cresce?

O apelo ambiental da proposta é risível. É evidente que há outras pautas ambientais mais urgentes, como a contenção do desmatamento. Há, também, várias opções para combinar preservação ambiental e redução da pobreza, como o saneamento básico. Em breve esse subsídio à indústria automobilística estará alçado a prioridade no debate público.

Ainda mais ágeis têm sido os usineiros. Em dez dias conseguiram entrar com uma PEC no Congresso, encontrar um parlamentar disposto a assiná-la e vê-la aprovada no Senado por 72 votos a zero. Nenhum voto contra!

Essa PEC 15/2022 altera o artigo 225 da Constituição, que trata dos princípios de preservação ambiental, para fixar um permanente benefício tributário aos biocombustíveis, sob o argumento de que são menos poluentes que os fósseis. Não há um cálculo, um número, uma evidência objetiva para justificar o fato de que toda a população brasileira vai transferir renda para os produtores de biocombustíveis.

Apenas meia dúzia de parágrafos citando o "Acordo de Paris", "metas de emissão", sem qualquer comparação dos custos e benefícios dessa opção de política com os de outros instrumentos de redução de emissões.

Esse mesmo setor conseguiu aprovar, em 2017, o Programa Renovabio. Sob o argumento de que mimetizava um mercado de crédito de carbono, criou-se a obrigação para as distribuidoras de combustíveis de comprar certificados (CBIOS) na proporção de suas vendas de combustíveis fósseis. Os certificados são vendidos pelos produtores de biocombustíveis.

Isso não é mercado de emissões. Em tal mercado, diferentes setores econômicos recebem metas de emissão. A empresa que fizer um esforço, e conseguir emitir menos que sua meta, pode vender o excedente àquela que preferiu emitir mais.

Todos incorrem em custos: a empresa que investiu para reduzir emissões gasta dinheiro com isso. A empresa que teve que comprar mais créditos também gasta com isso. É da análise de custo e benefício de cada empresa que sairá a decisão de reduzir emissões ou comprar o direito de emitir mais.

O mercado funciona de modo a manter as emissões totais dentro do limite permitido pela lei e, ao mesmo tempo, alocar os direitos de emissão às empresas que as valorizam mais, e que pagam por elas.

No Renovabio já se definiu a priori quem vai vender os créditos (os produtores de biocombustíveis) e quem vai comprá-los (as distribuidoras, que repassarão o custo para os consumidores). Não há nenhum mecanismo de mercado arbitrando a reorganização da produção. Os usineiros sempre ganham.

O Renovabio não passa de uma "Bolsa Usineiro", cujo custo compõe o preço final pago na bomba de combustíveis. A despeito de toda mobilização para reduzir custos dos combustíveis, não se vê uma alma questionando tal programa.

Essas coisas não estão sendo aprovadas apenas pelo Centrão. Todos estão votando a favor. Inclusive a "terceira via" e a esquerda, que não se envergonham de aprovar subsídios ao capital. Depois fazem discursos emocionados sobre a escandalosa desigualdade brasileira e a falta de recursos para atender os pobres.

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