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Jornalista e roteirista de TV.

Descrição de chapéu feminismo machismo

São as mulheres suas maiores inimigas?

Pela incapacidade de entender ideias do movimento, muitas mulheres não se dizem feministas

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Num curto período de tempo vi gente que se diz feminista decretar que a atriz que virou duquesa será infeliz. Vi contestarem a decisão de uma feminista e o quanto de fato ela é feminista por sua escolha. Como assim um príncipe? Outro tanto de pessoas dizer que é um absurdo uma mulher largar a carreira para se casar. E mais algumas afirmando que se adequar ao protocolo da monarquia britânica é coisa de feminista Nutella porque, que horror, não é mesmo, Meghan Markle não poderá ter perfil em redes socais, tirar selfies, dar autógrafos. Afinal, como ser feminista de verdade sem Facebook e sem postar fotos fazendo bico de pato para a câmera?

Vi muita gente fazer piada de que o feminismo acaba quando aparece um príncipe boa pinta e rico na história, seja com título de nobreza ou só dinheiro na conta bancária mesmo. Pior, tudo isso foi dito por mulheres, e muitas delas se dizem feministas.

Testemunhei discurso de empoderamento se desmanchar cada vez que uma dessas, que erguem o punho por uma causa, escorregou na narrativa do “lugar de mulher é onde ela quiser”. Na teoria pode ser qualquer lugar, na prática menos esse que a duquesa escolheu porque não concordamos. Foi decretado que ela vai perder personalidade e ser profundamente miserável na torre do castelo.

Teve revista feminina dando combustível à falta de entendimento sobre o que é feminismo ao fazer textinho lacrador, caça-clique, para contar tudo o que Meghan Markle terá que abrir mão ao ser escravizada pela realeza. A monarquia britânica tem protocolos caretas e caquéticos que legislam sobre o tamanho das saias e até a cor do esmalte. O fato é que Meghan Markle deve saber exatamente o que escolheu para a vida e quando olhamos para o casamento fica claro que a cerimônia foi “all about her”, que em bom português significa “ela decidiu a porra toda e casou como queria”.

Também ouvi que a atriz se vendeu ao patriarcado. Quem dera que no mundo todo o patriarcado tivesse nos cargos mais importantes da nação duas mulheres, uma rainha e uma primeira-ministra. Tem mais, daqui a pouco Elizabeth morre e tudo isso pode ser revisto porque essa união foi uma mensagem clara de que a coroa britânica entendeu que precisava se modernizar para continuar popular. Acolher uma atriz, divorciada e negra foi um enorme passo. Não será difícil encurtar saias, aprovar selfies, o uso do Instagram e liberar os esmaltes “doida demais”, “preguicinha” e “topless”. Sim, são nomes de esmalte.

Tivemos um show de falta de empatia de mulher para mulher ao alimentar os equívocos que já são rotineiramente disseminados. Esse fogo-amigo dos últimos dias deixou a ala antifeminista do mundo babando como cachorro louco. Gente que acha que feminista não raspa o sovaco, odeia os homens, é avessa ao casamento, ao amor, à família, aos filhos. Algumas são assim, mas o feminismo tem tantas nuances que é impossível descrever uma ativista, além do conceito básico.

É por causa da incapacidade de entender o conjunto de ideias tão simples que definem o movimento que muitas mulheres têm pavor de se dizerem feministas. E como vimos agora mesmo algumas que batem a mão no peito, erguem punhos, dizem defender nossos direitos, parecem não dominar a causa pela qual militam. Fica claro que muitas vezes são as mulheres suas maiores inimigas.

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