Siga a folha

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Dominical da Record parece falar de um país que erradicou pandemia

Programa da Record pareceu retratar a realidade da Nova Zelândia, e não de um país que se aproxima dos 90 mil mortos

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

A forma como Globo e Record enxergam a missão de informar nunca foi tão distinta quanto em 2020. Enquanto a emissora carioca tem tratado a pandemia de coronavírus como prioridade absoluta dos seus noticiários, a emissora paulista enxergou “alarmismo” na concorrência e tem buscado apresentar uma cobertura alternativa, que leve “informação de qualidade”, mas mostre que “há esperança”.

Essa posição da Record, já expressa publicamente por Antônio Guerreiro, vice-presidente de jornalismo da emissora, coincide com as críticas do presidente Jair Bolsonaro e de ministros do governo à cobertura de alguns veículos, em especial da Globo.

Os principais telejornais das duas emissoras, Jornal Nacional e Jornal da Record, expõem abertamente, toda noite, essa divergência essencial. E ela também é notável nas respectivas “revistas eletrônicas” dominicais dos dois canais, o Fantástico e o Domingo Espetacular.

Lançado em 1973, o Fantástico sempre ocupou na televisão o lugar da revista semanal de informação. Com longa duração, explora os principais acontecimentos da semana, mas buscando acrescentar desdobramentos originais. A sua pauta sempre inclui também reportagens especiais, eventualmente mais “frias”, sem uma conexão direta com o dia a dia. É uma das principais audiências do canal no domingo.

Em 2004, num momento em que buscou inspiração na grade da concorrente, a Record criou o Domingo Espetacular, definido justamente como uma “revista eletrônica de entretenimento e informação”.
É a principal audiência da emissora aos domingos.

Nesta semana, o Fantástico exibiu 23 reportagens diferentes ao longo de duas horas e meia. Sete delas tiveram algum tipo de relação com a pandemia e ocuparam, no total, mais de 32 minutos, ou 22% do programa.

Já a edição do Domingo Espetacular teve duração de três horas e 13 minutos. Também exibiu 23 reportagens, mas apenas duas mencionaram a pandemia, ocupando um total de dez minutos, ou 5% do programa.

Além de apresentar os números da pandemia (em 45 segundos), o dominical da Record exibiu uma reportagem policial de mais de nove minutos sobre um trio que foi preso após vender máscaras de baixa qualidade e pagando propina para diferentes entes públicos.

O tempo dedicado à pandemia foi inferior, por exemplo, ao de uma reportagem sobre “mitos e verdades do creme de leite”, que ocupou 12 minutos do programa.

O dominical da Globo, por sua vez, abordou a pandemia sob a ótica da saúde, da economia e do comportamento. O programa abriu com uma reportagem de forte apelo emocional sobre um menino de três anos, com síndrome de Down, que superou a Covid-19. Seguiu com outra sobre como evitar a contaminação nas escolas num momento em que alguns estados já promovem a volta às aulas.

O Fantástico exibiu ainda uma série de flagrantes de desrespeito ao uso de máscaras e ao isolamento em diferentes cidades do país no domingo. Também mostrou como o setor hoteleiro está reagindo à crise causada pela pandemia. E lembrou a história do homem que escalou as janelas externas de um hospital na Cisjordânia para se despedir da mãe doente.

O programa ainda apresentou uma atualização dos números da doença no país e exibiu mais uma vez o quadro em que atores da emissora leem pequenas biografias de pessoas mortas pela Covid-19.

A julgar pelo que exibiram, Domingo Espetacular e Fantástico se passam em dois países diferentes. O programa da Record pareceu retratar a realidade da Nova Zelândia, um país que se livrou da pandemia, e não a do Brasil, que se aproxima dos 90 mil mortos.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas