Siga a folha

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Descrição de chapéu LGBTQIA+

Série sobre LGBTQs em novelas da Globo resvala em autopromoção

Com histórias de 50 personagens, produção documental não aborda falhas da emissora

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Poucos assuntos expressam de forma tão cristalina o conservadorismo da televisão brasileira quanto a representação dos homossexuais nas novelas. Os tabus superados a duras penas ao longo de sete décadas, assim como os equívocos que ainda reforçam preconceitos, seguem desafiando a compreensão de pesquisadores.

O farto material de estudo que existe a respeito acaba de ganhar um acréscimo com “Orgulho Além da Tela”, uma série documental em três episódios do Globoplay que oscila entre a investigação jornalística e a autopromoção. Com direção de Antonia Prado, o projeto nasceu de uma proposta do redator Lalo Homrich, autor de uma tese de doutorado sobre “a construção de personagens transexuais na Rede Globo”.

O programa apresenta de forma cronológica as novelas da Globo que surpreenderam, causaram polêmica, deram vexame ou brilharam com personagens LGBTQIA+. De Rodolfo Augusto (Ary Fontoura) em “Assim na Terra como no Céu” (1970), de Dias Gomes, até Britney (Glamour Garcia), de “A Dona do Pedaço” (2019), de Walcyr Carrasco, a série resgata as histórias de cerca de 50 personagens.

Em momentos muito significativos, são exibidos depoimentos gravados em estúdio de pessoas que foram impactadas pelas situações exibidas na tela e de atores que interpretaram os personagens citados. São cenas quase sempre celebradoras, que dão um tom chapa branca ao programa.

Uma ou outra crítica encontra espaço na série. Com muita franqueza, Gilberto Braga fala do mordomo Renato (Everaldo Pedrosa) em “Dancin’ Days” (1978): “Com esse personagem, eu acho que não ajudei ninguém. Porque ele era cômico. E as pessoas aceitam o gay que está na história para fazer o público rir”.

Três décadas depois, houve protestos quando um personagem com características semelhantes, o mordomo Crô (Marcelo Serrado), de “Fina Estampa” (2011), foi visto como caricatural, reforçando estereótipos. “Eu hoje talvez fizesse de outra maneira”, diz o ator. Mas Aguinaldo Silva rejeita a crítica: “Foram esses gays pintosos que contribuíram para que nós chegássemos onde chegamos. Eles davam a cara aos tapas. Eles que se mostravam e eram perseguidos”.

Em outra boa passagem, Gilberto Braga recorda os artifícios usados para superar a proibição, imposta pela censura, de mencionar que um personagem central em “Brilhante” (1981) era gay. “Logo no primeiro capítulo, Inácio (Dennis Carvalho) chega em casa bêbado, ao som de ‘Tristão e Isolda’. Quem conhece gays entendeu imediatamente que ele era gay”, diz o autor.

Uma ativista lamenta que, por muitos anos, enquanto as novelas tentavam avançar, a Globo dava espaço, no “Zorra Total”, a piadas que ofendiam espectadores gays. Caso de Maurição (Jorge Dória), o pai machista do afeminado Alfredinho (Lúcio Mauro Filho), cujo bordão era: “Onde foi que eu errei?”.

Gloria Perez relembra, mais uma vez, que foram gravadas sete versões diferentes do beijo entre Junior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro) na novela “América” (2005) e nenhuma foi exibida por decisão da direção da emissora.

Manoel Carlos sugere uma questão importante ao comentar a cena de beijo entre Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Muller) no final de “Em Família” (2014). “Tá certo que a censura estava já longe, mas é uma vitória mesmo com atraso”, diz.

Por que a Globo demorou tanto para exibir um beijo entre duas mulheres numa novela? O que, ou quem, a impedia? A série, infelizmente, não responde.

Para entrar neste assunto, o documentário teria que ouvir a cúpula da emissora entre as décadas de 1980 e 2010. E a direção atual, que poderia falar por que os avanços alcançados em matéria de representatividade hoje servem também para promover a imagem da empresa.​

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas