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Paulo Vieira, do Jornalistas que Correm, fala tudo sobre corrida –mesmo aquilo que você não deveria saber

Descrição de chapéu atletismo

Como não correr uma maratona

E não, isso aqui não tem nada a ver com doping, acho

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A notícia de que o fundista Daniel Nascimento, o Danielzinho, foi suspenso provisoriamente por testar positivo no exame antidoping causou menos comoção no circuito corredor do que eu imaginava.

Sem Daniel, o Brasil, afinal, fica fora da maratona olímpica, uma prova-fetiche também dos jogos e na qual o país bateu na trave algumas vezes, como —como esquecer?— em Atenas 2004, quando Vanderlei Cordeiro teve o ouro lhe arrancado do pescoço pelo padre irlandês sem Deus nem caráter.

Olimpíada de Atenas, 2004 - Atletismo: o ex-padre irlandês Cornelius Horan agarra o maratonista brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima, que liderava a maratona, e o derruba; Vanderlei chegou em terceiro. - Reuters

Mesmo que muitos treinadores de assessorias de corrida amadora sejam oriundos do alto rendimento, seus alunos, o tal "circuito corredor", talvez hoje só tenham olhos para o próprio Instagram e para a sucessão quase interminável de provas de corrida de rua que dominam as manhãs de domingo das capitais brasileiras.

Pois bem, uma delas, razoavelmente importante, a maratona de São Paulo da organizadora Iguana, no dia 28 de julho, já está aí. E eu, que não me via correndo uma maratona tão cedo, recebi um convite inesperado de um patrocinador da prova e me inscrevi para os 42 km.

O cânone da preparação para a maratona começa com uma sessão de hipnose, pode-se dizer, em que o paciente é submetido a um mantra, uma frase que fica ribombando horas sem fim nos ouvidos do incauto. É assim:

"É preciso respeitar a maratona."

"É preciso respeitar a maratona."

"É preciso respeitar a maratona."

Depois disso, vem uma preparação meticulosa, de em geral quatro meses, com corridas —o povo chama de "treino"— com quilometragem crescente até uns 32 km.

Finalmente, nos dias mais próximos da prova-alvo, é hora do "polimento", com quilometragens bem mais leves.

Vou para minha décima, ou décima primeira, maratona, e precisaria consultar os alfarrábios, sem novamente fazer nada disso. Uma sucessão de meias maratonas nas últimas semanas —a última delas a do Butantã, do cubano Thomas Cabrera—, em que terminei forte e confortavelmente, contudo, me dão certa segurança de que não vai dar chabu.

E que chabu poderia dar? Caminhar alguns trechos lá pela marca dos 30 km? Diminuir radicalmente a velocidade? Tudo isso não é razão para desclassificação nem, creio, para uma depressão cava e profunda do corredor.

Tenho um amigo também corredor de maratonas, o chamemos de Gaúcho, que não se vê andando nem por um centímetro sequer nas suas provas de corrida. "Vim aqui para correr", ele costuma dizer, à maneira do analista de Bagé, refutando a ideia de que caminhar é, digamos, um recurso nessas horas.

Andei nas minhas últimas maratonas alguns trechos, o que talvez pudesse ter evitado não exatamente com respeito ao cânone, mas com um pouco mais de perseverança mental –é sempre, ou na maioria das vezes, uma falha da cuca que faz a gente abortar o "trem" de corrida nas provas longas.

Mas o cânone não é (e está longe de ser, aliás) o único caminho para quem quer estrear na maratona. É só mais um sintoma do respeito exagerado, de nível quase patologicamente devocional, que treinadores e mesmo maratonistas amadores injetam na conversa.

Correr uma maratona, como eu já disse algumas vezes, é só mais um fetiche, o mesmo que o Kakay tem por vinhos, e os malucos da avenida Europa, por carros.

Não faríamos má figura se corrêssemos no dia 28 vestidos todos de vinil dos pés à cabeça.

E, por fim, para voltar ao começo: com toda essa, digamos, liberalidade em relação ao cânone, considero quase um doping servir-se de suplementos energéticos durante a prova.

Mas doping, doping mesmo para o corredor amador, é conversar ao longo da maratona. Aí, meu amigue, ninguém segura o cabra.

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