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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

Empresas preocupadas com diversidade terão que deixar o isolamento, diz diretor do JP Morgan

Para Gilberto Costa, parcerias podem ajudar equipes de recrutamento a encontrar talentos

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São Paulo

Diretor-executivo do JP Morgan no Brasil, Gilberto Costa sabe que sua trajetória é incomum no país onde vive e na área em que atua, o mercado financeiro. Filho de um militar negro e uma dona de casa branca, ele cresceu em Duque de Caxias (RJ) e raramente encontra outras pessoas da sua cor no trabalho.

Costa acha que as empresas brasileiras serão cada vez mais pressionadas a adotar medidas efetivas de combate à discriminação racial. Ele sugere às que estão preocupadas com a diversidade de suas equipes que se esforcem mais para buscar no mercado os profissionais cujo talento ainda não conseguem enxergar.

Gilberto Costa, diretor-executivo do JP Morgan, responsável pela área de private bank no Brasil. - Divulgação

Que fatores mais contribuíram para sua ascensão profissional? Meu pais sempre incentivaram os filhos a estudar. Meu pai era da Aeronáutica e me convenceu a entrar na vida militar. Depois da escola de cadetes, saí para estudar ciências contábeis na universidade e de lá fui trabalhar no mercado financeiro, onde tive oportunidade de me aperfeiçoar com outros cursos.

Sei que minha trajetória é atípica se comparada com a da maior parte dos negros no Brasil. Ainda são pequenas as chances de um jovem negro, que não estudou inglês na infância, chegar a um posto de liderança numa organização como o banco em que trabalho.

O que mudou no ambiente corporativo de lá para cá? Ninguém falava em diversidade quando entrei no mercado. O endereço muitas vezes definia se a pessoa ia ser contratada. Mulheres eram questionadas nas entrevistas de emprego se estavam grávidas. Piadas racistas, sexistas e homofóbicas eram comuns.

A principal diferença hoje é que as empresas reconhecem a existência desses problemas e os discutem de forma mais aberta. As pessoas achavam que não havia racismo no Brasil e não se incomodavam com a ausência de negros em postos de liderança.

A partir do reconhecimento do problema, começaram a ser criadas políticas claras de combate a todo tipo de discriminação. São grandes hoje as chances de você ser mandado embora por atitudes que eram amplamente toleradas antes.

Como garantir maior diversidade na porta de entrada? Investindo no treinamento dos profissionais responsáveis pelo recrutamento, para que entendam a importância da inclusão e da diversidade. O presidente da empresa não contrata ninguém. São os gerentes que contratam, e eles precisam ter clareza do problema.

É preciso entender também que não basta contratar. São necessários esforços para reter as pessoas na empresa e treiná-las para que assumam postos de liderança. Muitos negros não acreditam que estejam preparados para essas posições, até por não encontrar no mercado referências em que possam se espelhar.

Muitas empresas dizem que não conseguem encontrar pessoas negras com formação adequada e preparadas para os desafios enfrentados nos setores mais competitivos. Num país em que os negros formam 56% da população, é difícil acreditar que não exista talento entre eles. As empresas precisam sair do isolamento, das suas ilhas, e buscar parcerias para encontrar essas pessoas. Há muitas organizações e consultorias especializadas nesse tipo de trabalho no mercado.

As empresas deveriam se aproximar dos coletivos negros das universidades. Os jovens precisam entender sua cultura, para avaliar se o seu compromisso com a inclusão é para valer. Obviamente, o investimento em educação continuará essencial para mudar as coisas no longo prazo.

O que o banco tem feito? Criamos um programa de treinamento só para negros. A primeira turma começa em janeiro. São dez jovens, entre os quais sete meninas, que passarão por dois anos de treinamento e terão profissionais experientes como mentores.

Alguns tinham sido estagiários aqui, outros já tiveram alguma experiência no mercado. Estamos preocupados com a cultura, os valores que eles trazem, não com a faculdade. Claro que é preciso ter curso superior. Mas gosto de lembrar sempre que uma das melhores analistas da minha equipe é uma nutricionista, que só depois foi estudar administração de empresas.

Criamos há dois anos um programa com a Universidade Zumbi dos Palmares e a Febraban [Federação Brasileira de Bancos] para investir na formação de jovens negros. O programa conta com o envolvimento de várias outras instituições e já formou 420 jovens em São Paulo. A maioria está trabalhando no setor.

O que a morte de Beto Freitas, espancado e asfixiado por seguranças de uma loja do Carrefour em novembro, ensinou às empresas brasileiras? Episódios como esse mostram que as mudanças em curso são muito relevantes. As empresas têm demonstrado preocupação com o meio ambiente, com governança e ações na área social. Há um reconhecimento maior de que as coisas só vão mudar se incluírem em suas prioridades ações de promoção da diversidade e inclusão racial. Consumidores, fornecedores e investidores cobrarão ações efetivas cada vez mais.

Não é o cara que negocia ações no telefone celular que fará isso. São os investidores institucionais, os grandes fundos, dos quais as empresas dependem para ter acesso a capital de médio e longo prazo. Cada vez mais, eles questionarão as empresas sobre suas ações contra a discriminação racial. Isso as obrigará a implementar mudanças para valer.

Gilberto Costa, 51

Formado em ciências contábeis na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), está no mercado desde 1993. Trabalhou nos bancos Boavista, Liberal e Itaú Unibanco. Entrou no JP Morgan em 2012 e hoje é o diretor-executivo responsável pelas operações de private bank no Brasil.

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