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Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

Descrição de chapéu sustentabilidade

Competição internacional acelera pesquisa da biodiversidade na Amazônia

XPRIZE Florestas Tropicais apresenta em Manaus as tecnologias desenvolvidas por seis equipes finalistas em etapa de testes no Brasil

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Manaus

Há seis meses, Marina Gatto é curadora dos dados que coleta na aldeia Inhaã-Bé, na zona rural de Manaus.

A indígena de 31 anos passou a usar a inteligência artificial Tainá, desenvolvida pela equipe ETH BiodivX , lideradas por cientistas da suíça e Coreia, uma das seis finalistas da XPRIZE Florestas Tropicais, competição internacional de novas tecnologias para mapear biodiversidade.

Ela conta que o chatbot se chamava Dora, em homenagem à personagem homônima da garotinha aventureira que viaja pelo mundo solucionando enigmas.

"Dora é uma exploradora, por isso no Brasil sugerimos que virasse Tainá, a cuidadora das florestas", relata Marina, integrante da equipe internacional e do conselho de gestão de dados, que é guardião do código fonte da IA.

Ela explica que o objetivo da tecnologia é dar voz ao povo indígena e ribeirinho, mas não de forma robótica. "A Tainá foi mudando a personalidade para que a gente se sentisse à vontade para contar nossas histórias para ela."

Ana Lúcia Villela, presidente da Alana Foundation, na cerimônia de abertura da etapa final do XPrize Rainforest no Teatro Amazonas, em Manaus, em 3 de julho - Eliane Trindade/Folhapress

As 20 famílias da aldeia alimentam um banco de dados a partir do uso do chatbot no Telegram. O laptop de Marina virou "o baú da comunidade", onde estão armazenadas informações e imagens coletadas sobre alimentação, técnicas artesanais de cestaria e manifestações culturais.

Também membro da equipe internacional, a brasileira Kamila Camilo, fundadora do Instituto Oya , é a responsável por ministrar workshops para as comunidades locais impactadas pelo uso das tecnologias desenvolvidas no contexto da XPRIZE.

"No começo, a Tainá só fazia perguntas, hoje ela é uma ponte e também responde", explica Kamila, sobre possibilidades que vão além de colher fotos de folhas, frutos, insetos e animais da fauna amazônica.

Depois de estabelecer uma relação de confiança com a comunidade no projeto-piloto, a ideia é que no futuro os indígenas virem programadores e desenvolvedores para preservar o conhecimento até então transmitido pela oralidade.

"A nossa missão é cocriar as tecnologias para que os indígenas sejam também proprietários e aprendam a programar as suas próprias inteligências artificiais e a identificarem vieses", projeta Kamila.

Marcelo Furtado (Itaúsa), Vanda Witoto (líder indígena), João Francisco Araújo (Secretaria de Economia Verde do Ministério do Desenvolvimento), Carlos Nobre (ambientalista brasileiro), e Reina Otsuka (Programa de Desenvolvimeno das Nações Unidas) participam de painel durante evento de abertura da etapa final da XPRIZE Florestas Tropicais, em Manaus, em 4 de julho - Divulgação

Empoderamento que terá impacto econômico. Em exercício de futurismo, a brasileira vislumbra um indígena ser remunerado pela coleta de amostras de DNA de pássaros e insetos, por exemplo.

"Tem um trabalho regulatório grande em torno de tudo isso, mas entendemos que a tecnologia pode ser um instrumento de justiça e de geração de renda para as comunidades."

Cenários e debates que foram pano de fundo da apresentação das equipes de Brasil, Espanha, Estados Unidos e Suíça, entre 3 e 5 de julho, em evento em Manaus.

Na sequência, durante todo o mês de julho, os seis times que chegaram à final fizeram da Amazônia brasileira laboratório de testes da última etapa do XPRIZE Florestas Tropicais.

Esta edição do prêmio é financiada pela Alana Foundation, organização filantrópica criada nos Estados Unidos pelo casal brasileiro Ana Lúcia Villela e Marcos Nisti, para atuar em áreas como meio ambiente, educação inclusiva e pesquisas..

Após cinco anos de competição envolvendo 300 equipes de cientistas de 70 países, os finalistas testaram as tecnologias apresentadas ao júri, assim como o relatório final com os resultados obtidos em campo.

O anúncio dos vencedores será feito em novembro, durante a reunião do G20, no Rio de Janeiro.

Na disputa de um total de US$ 10 milhões (cerca de R$ 56 milhões), os competidores precisavam demonstrar que eram capazes de pesquisar 100 hectares de floresta amazônica em 24 horas, e coletar dados relevantes sobre a biodiversidade local, em tempo real, durante até 48 horas.

No sábado 5, os americanos da Limelight Rainforest foram os primeiros a entrar em campo na Comunidade Tumbira, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, para mostrar a efetividade de drones com sensores bioacústicos, robôs terrestres e ferramentas de inteligência artificial.

"A competição está antecipando a criação de tecnologias que, na velocidade tradicional de desenvolvimento, estariam disponíveis apenas na próxima década", avalia Peter Houlihan, vice-presidente da XPRIZE. "Todos os times devem contribuir para revolucionar o mapeamento da biodiversidade tropical."

Inovações que poderão mapear a biodiversidade das florestas tropicais e em outros biomas no Brasil e no mundo.

"Com isso, poderemos entender e proteger melhor esses territórios e todos os seus seres vivos, garantindo a valorização dos recursos e o justo desenvolvimento bioeconômico e social", afirma Pedro Hartung, CEO da Alana Foundation. "A floresta viva e em pé é a fonte de sobrevivência das presentes e futuras gerações."

Os primeiros testes foram feitos na semifinal em Singapura, no final do ano passado. E agora em Manaus, o júri pode avaliar os avanços, acompanhados de perto também por conselheiros da competição, entre eles o cientista brasileiro Carlos Nobre.

"É importantíssimo termos tecnologias e mecanismos como estes para que se consiga demonstrar a riqueza e variedade da biodiversidade das florestas tropicais", diz o climatologista, primeiro brasileiro a fazer parte do grupo Planetary Guardians.

Nobre ressalta que nem 20% dessa enorme riqueza natural teria sido mapeada, uma tarefa gigantesca frente aos 6 milhões de quilômetros quadrados da imensidão amazônica.

"As mudanças climáticas nos colocam diante de um enorme risco, principalmente na Amazônia, que está na beira do precipício, do ponto de não retorno", afirma o pesquisador.

Como especialista em aquecimento global, ele enxerga o potencial de ganho de escala de muitas das tecnologias desenvolvidas ao longo da XPRIZE.

"O maior potencial socioeconômico da Amazônia é a sua biodiversidade. Essa mensuração da diversidade biológica é um instrumento muito importante para se buscar megafinanciamentos para essa nova bioeconomia."

Também integrante do conselho desta edição do XPRIZE, Marcelo Furtado, head de Sustentabilidade da holding Itaúsa, aponta a importância estratégica da competição realizada às vésperas de o Brasil sediar dois eventos de cúpula, o G20, em novembro, e a COP30, no ano que vem.

"Pela primeira vez na história do G20, existe uma iniciativa de bioeconomia, que está neste momento discutindo quais são os princípios de alto nível para guiar os países membros no redesenho de suas economias como bioeconomias positivas para o clima, a natureza e as pessoas", diz Furtado.

Com passagens pela WWF e pelo Instituto Alana, o executivo acompanhou o nascedouro do XPRIZE focado em florestas tropicais há cinco anos, quando a bioeconomia ainda engatinhava.

"Tivemos que dar um passo atrás, que é conhecer e mapear essa biodiversidade para então gerar negócios com a visão de beneficiar os países ricos em natureza", explica Furtado.

Daí a importância de os testes ao longo da competição fossem feitos em países com floresta tropical e de levantar uma discussão sobre marcos regulatórios.

"É preciso olhar para a legislação a ser desenhada e ter uma garantia de equidade, de que as populações envolvidas façam parte da tomada de decisão e do desenho da estratégia", ressalta Furtado.

Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde do Ministério do Desenvolvimento, e Peter Houlihan, vice-presidente da XPRIZE, participam de evento na etapa final da competição internacional, em Manaus, em 4 de julho - Divulgação

Para o secretário de Economia Verde do Ministério do Desenvolvimento, Rodrigo Rollemberg, o Brasil tem tudo para liderar essa bioeconomia. "Temos condições naturais e políticas, como detentores da maior biodiversidade do planeta e uma matriz energética renovável e em expansão", elencou ele.

Um dos anfitriões do evento, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), saudou as soluções e alternativas para o desenvolvimento sustentável fomentadas pela XPRIZE, em um momento de mudanças climáticas.

"No ano passado, vivemos a maior seca de todos os tempo no estado. E esse ano a estiagem deve ser maior ainda", afirmou o governador. "E as populações vulneráveis são as mais afetadas."

Mestre de cerimônias do evento de abertura da final do XPRIZE no Teatro Amazonas, em 3 de julho, a líder indígena Vanda Witoto, deixou uma mensagem importante para os competidores e autoridades presentes: "Tecnologia só vai dar certo se ouvir quem habita a floresta há milhares de ano".

*A jornalista Eliane Trindade viajou a Manaus a convite da Alana Foundation

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