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Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

Descrição de chapéu Maradona (1960-2020)

Maradona foi 'Dios' de verdade

Rivalidade à parte, Brasil se permitiu idolatrar o argentino nesta quarta-feira

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Existe uma espécie de “manual brasileiro do futebol” que manda a gente não gostar de argentino. Nunca fui muito adepta disso —até visto a camisa da seleção argentina de vez em quando, o que muitos consideram uma heresia.

Mas fato é que essa rivalidade não é algo inventado, é real e, de certa forma, recíproco. Não à toa, os argentinos fizeram uma música especialmente para nós na Copa do Mundo de 2014. Muitos evitarão admitir, mas “Brasil, decime qué se siente” é o hit do Mundial daquele ano.

O último verso da música traz a maior provocação que a Argentina já ousou nos fazer. Com orgulho, naquela Copa, os argentinos ecoavam nas arquibancadas do primeiro jogo até a final: “Maradona es más grande que Pelé”.

Neste 25 de novembro, essa discussão, ao menos momentaneamente, perdeu o sentido. O Brasil foi Maradona nesse dia e se permitiu idolatrar um argentino, o “Dios” de carne e osso.

Das particularidades que nós, brasileiros, temos, uma delas é a de achar que ídolos precisam ser “deuses” de verdade. Não são passíveis de erros. Criamos para eles uma série de expectativas e, se alguma não for cumprida, é como se não merecessem a idolatria.

Na Argentina, não foi bem assim. Maradona é o que é lá por ser Diego. “Diego de la gente”, como diz sua biografia. Nenhum jogador foi tão torcedor. No campo e na vida, ele sempre foi mais coração.

É o coração que fala mais alto quando “la mano de Dios” fez o primeiro gol daquele Argentina e Inglaterra que, mais do que a vaga nas semifinais da Copa do Mundo de 1986, valia a “vingança” pelas milhares de vidas perdidas dos argentinos quatro anos antes na Guerra das Malvinas diante dos ingleses.

E a entrevista ainda em campo mostra por que Maradona transcendeu as fronteiras no futebol —porque sempre foi “de verdade”.

“Foi um pouco com a minha cabeça e um pouco com a mão de Deus”, ele disse, para eternizar essa expressão.

O segundo gol é uma oblação. Talvez para retribuir a ajuda divina no primeiro, Maradona protagoniza uma das cenas mais lindas e inesquecíveis do futebol mundial. A bola está grudada em seus pés. Ele sai dos primeiros marcadores e dispara. Dribla mais um, e outro, deixa os adversários para trás, um a um, inclusive o goleiro, até o toque final para o fundo das redes.

Esse lance já seria o bastante para colocar Maradona no hall dos gênios. Mas sempre haverá quem tente diminuí-lo ou relativizar seu tamanho para o futebol porque, fora de campo, ele não foi perfeito.

Minha amiga Angélica Souza, do Dibradoras, descreveu de forma impecável: Maradona teve “o enredo torto, a narrativa louca, que só os grandes têm. Senão, seriam normais —ou pior, mortais”.

A vida de Maradona foi permeada pela pergunta: “O que ele poderia ter sido se não tivesse a vida que teve?”. A resposta é simples: não teria sido Maradona.

Um ídolo se faz também pela coragem de se assumir humano. Na entrevista que fez consigo mesmo, no antigo programa que ancorou na Argentina, chamado “La Noche del Diez”, Maradona disse se arrepender de não ter acompanhado o crescimento de suas filhas.

Lamentou ter feito sua família sofrer. E também não ter dado 100% ao futebol por conta do seu envolvimento com drogas. Ao final, ele expressou um desejo para a lápide do seu túmulo.

“Agradeço por ter jogado futebol, porque é o esporte que mais me deu alegria, me deu liberdade, me fez tocar o céu com as mãos. Obrigado à bola. É isso que eu colocaria na lápide: 'Gracias a la pelota'."

Somos nós que precisamos o agradecer por ter escolhido a bola. Chegou a hora de Dios se encontrar com Deus.

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