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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Descrição de chapéu

Conheço as armadilhas que as palavras montam

Quando alguém lhe disser que você não sabe o que diz, o melhor é concordar

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Quando alguém lhe disser que você não sabe o que diz, o melhor é concordar. Eu concordo sempre, não só porque tenho uma autoestima baixa, mas também porque conheço as armadilhas que as palavras montam.

Por exemplo, quando digo que determinado acontecimento foi auspicioso, estou a falar em pássaros. A palavra auspício vem da expressão latina “avis spicium”, ou seja, contemplar as aves, por causa de um antigo método de prever o futuro. Soltava-se um grupo de aves; se o bando voasse para a direita, era bom sinal, se voasse para a esquerda, era mau.

Se digo que montei um alarme residencial, revelo o meu caráter belicista: a palavra alarme deriva da locução italiana “all’arme”, que é um apelo às armas. Portanto, quando digo que a montagem do meu alarme foi um bom auspício, é possível que, sem querer, eu esteja a exprimir o desejo de pegar em armas para matar um pombo. É complicado.

A expressão que, sem o sabermos, mais nos ensina, é o “pomo da discórdia”. Quando descobri que a palavra pomo designa um fruto, a minha vida mudou. Nos restaurantes, na hora da sobremesa, pergunto sempre: que pomos tem? Os empregados, em regra, ficam alarmados. O que não auspicia nada de bom para a minha refeição.

O “pomo da discórdia” original era uma maçã. Eris, a deusa da discórdia, não foi convidada para o casamento de Peleu e Tétis. Mesmo assim, apareceu na boda e deixou uma maçã de ouro com uma nota: “Para a mais bela da festa”.

Publicada neste domingo, 9 de fevereiro de 2020 - Luiza Pannunzio/Folhapress

As deusas Hera, Atena e Afrodite pediram a Zeus que decidisse qual delas era a mais bela, mas Zeus entregou a missão a Páris. Para convencer Páris a dar-lhe o prêmio, cada deusa prometeu-lhe um presente: Hera disse que o faria rei da Europa e da Ásia, Atena ofereceu-lhe sabedoria e habilidade, e Afrodite jurou entregar-lhe o amor da mulher mais bonita do mundo, Helena de Troia.

Páris deu a vitória a Afrodite, seduziu Helena e deu origem a uma guerra de dez anos. É uma história estranha por várias razões: não ser convidado para casamentos é uma bênção e, no entanto, Eris fica magoada; três deusas competem por uma maçã de ouro, uma peça de decoração brega que não fica bem em casa nenhuma; Zeus, mesmo sendo o todo-poderoso, sabe que não é prudente ser jurado em concursos de beleza; Páris, em vez de escolher capacidades que lhe garantiriam várias mulheres, opta por ter apenas uma.

Pessoalmente, discordo do pomo da discórdia.

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