Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.
Tenho um personal trainer e são várias horas semanais de tortura e abuso
Parece que o corpo só se desenvolve com berreiro, diferente da mente que precisa de silêncio para progredir
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Estava a ler sobre antigas prisões em que havia trabalhos forçados e identifiquei-me imediatamente com os prisioneiros.
Eu tenho um personal trainer. São várias horas semanais de tortura física e abuso psicológico. Recebo ordens para levantar coisas pesadas e voltar a pousar coisas pesadas, pular para cima de coisas altas e saltar de volta para o chão, puxar cabos e soltar cabos.
Às vezes ele interrompe um exercício porque, embora eu esteja a conseguir fazê-lo, não me encontro na posição ideal para tornar a experiência suficientemente desagradável. Tal como a comida (se sabe bem, não é saudável), o exercício só resulta se me fizer chorar.
E, ao que vejo, é obrigatório que a sessão decorra no meio de intensa gritaria. “Vamos! Puxa! Então? Só isso? Corre! Mais rápido! Ganha nervo!”
Parece estar cientificamente comprovado que o corpo só se desenvolve à força de berreiro, ao contrário do que acontece com a mente, que precisa de silêncio absoluto para progredir —e é por isso que os bibliotecários não ficam junto dos leitores a gritar: “Vai! Lê! Reflete sobre essa questão, agora! Relaciona com aquele outro tema! Estuda mais! Memoriza!”.
Pouca gente sabe disto mas, quando uma celebridade aparece na capa de uma revista masculina, exibindo os abdominais, ela teve aquele aspecto durante uns dez segundos.
Nos dias que antecederam a sessão fotográfica, comeu pouco ou nada, bebeu água destilada e tomou laxantes, para não haver qualquer volume a prejudicar a impecável definição do abdômen.
Assim que o fotógrafo dispara, o famoso vai comer três pizzas inteiras, beber um barril de refrigerante gaseificado e retomar a sua forma de ser humano normal.
O que vemos na capa da revista é um homem esfomeado, desidratado, sustendo a respiração, contraindo os músculos e também o esfíncter.
É esse, ao que tudo indica, o nosso ideal de beleza masculina. Talvez seja por isso que o Davi de Michelangelo parece estar em movimento. Provavelmente, vai a caminho do banheiro.
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